segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

"Às vezes, quando está escrito, as pessoas do nosso passado voltam" - Resenha do livro "Férias" - Marian Keyes

As vezes não é preciso ser cego para não enxergar um palmo do que está acontecendo na sua frente. Este fato, alias, acontece com muita frequência na nossa vida. Quem nunca ouviu de um amigo ou parente: "O problema estava dançando samba na sua frente e você se negava a enxergar". Bom, é exatamente sobre essa "cegueira" que o livro de Marian Keyes trata. 

A protagonista desta tocante história é Rachel Walsh. Ela tem 27 anos e é muito amiga das drogas. Sim, ela é uma toxicômano, mas acha que não é magra o suficiente para ser taxada como tal. Prepara-se para lidar com uma história pesada, comovente, forte e muito engraçada. Marian Keyes é conhecida por tratar em seus livros assuntos polêmicos, porém sempre com uma pitada de humor. 

Vamos ao livro: Rachel namora Luke Costello, um homem que usa calças de couro justas e têm amigos um tanto quanto esquisitos. Fato, é que os dois possuem uma química extraordinária e logo quando se conhecem, já sentem que dali não vão mais conseguir se largar. Até aí, muito bonito e romântico, se não fosse Rachel passar cada dia mais usando remédios fortíssimos para dormir, misturados a quantidades abundantes de álcool e uma leve "cheirada" na conhecida cocaína. Digo leve, porque a própria Rachel acredita que não está lhe fazendo mal. Essa rotina apenas a deixa mais relaxada, a faz dormir tranquila e não atrapalha em nada seu trabalho, seu namoro e seu relacionamento com as pessoas. Isso, é o que ela enxerga, claro. 

A reviravolta do livro se dá quando Rachel sofre uma overdose que quase tira sua vida. Nesse ínterim, sua família resolve interna-la no Claustro - a versão irlandesa da Clínica Betty Ford. Para quem nunca ouviu falar, Betty Ford é uma clinica repleta de artistas, banheiras de hidromassagem, academia e várias mordomias a altura de uma celebridade viciada em drogas. Então Rachel pensa "Porque não? Já estava na hora mesmo de tirar umas feriazinhas". Daí vem o título do livro.

As coisas mudam totalmente de cenário quando Rachel encontra homens de meia idade usando suéteres marrons, uma quarto mequetrefe para dormir, tarefas domésticas obrigatórias, nada de televisão, academia, rádio ou leituras superfulas. Na verdade, ela possui uma rotina regrada e sessões de terapia em grupo. São nessas sessões que Rachel se vê cara a cara com muitas histórias de viciados em drogas, álcool, sexo e remédios para dormir. Em cada sessão todos podem acompanhar a cirurgia mental da cegueira se tornando olhos que acabaram de renascer das cinzas, enxergando absolutamente tudo em um clarão imenso, e se dando conta da mais pura e dura realidade. Rachel se encontra no seguinte dilema: "Quem quer abrir as janelas da alma, quando a vista está longe de ser espetacular?"

Cheia de dor de cotovelo pelo sumiço do namorado Luke, e por estar cada dia mais próxima da aceitação de sua situação, Rachel busca em Chris, um homem também internado no Claustro, sua salvação. Porém, lendo o livro, sabemos muito bem que não adianta fugir para todos os lados, quando a salvação está dentro de nós mesmos. Foi aqui, que o livro me tocou de uma forma surpreendente. Rachel é levada da dependência química para o terreno do desconhecido da maturidade, e é extremamente surpreendida quando recebe a visita do namorado em um duro choque de realidade, que a leva a sair da clinica de reabilitação e encarar duros anos batalhando para ficar longe do vicio e aceitar aquilo que a rodeia. 

Não vou entregar o final do livro, mas garanto que ele comove o leitor pela luta diária de nossa protagonista, e prova que o destino é mesmo um cara "fanfarrão". Segundo o livro, se está escrito, aquilo que nos faz bem e é nosso, volta no tempo certo, mesmo que tenhamos que passar por duríssimas provas ao encontro do auto conhecimento. 

Rachel não só virou um exemplo para mim de uma mulher guerreira e astuta, mas de um ser humano normal, fraco aos próprios olhos, que erra mas é capaz de dar a volta por cima, mesmo sendo impulsiva, teimosa e orgulhosa. 

E não é exatamente assim que somos? Cegos por inteiros, mas sempre premiados pela vida pela possibilidade de voltar a enxergar? Não sei o porque, mas quando terminei o livro, me peguei com olhos marejados e refletindo: "Já sei porque as vezes tenho que sofrer tanto, eu deixo minha cegueira me dominar, mas se eu for capaz de aceitar os fatos e lutar contra meu maior inimigo, eu mesma, serei capaz de cumprir meu destino, porque o que está escrito, sempre volta ao meu encontro. 

Obrigada Marian Keyes, você me ensinou uma grande lição com este livro. Indico a todos que acham que podem estar cegos em sua própria ilusão. 

Minha nota: 10


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Meta 2014

Que tal ler um livro por semana? Ou dois por mês? Acham muito?

A Imaginarium publicou em seu site algumas dicas, que gostei tanto, que resolvi compartilhar com vocês para incentiva-los a ler sempre, a cada hora, em qualquer lugar, e ainda sentir prazer com isso.

Eu consigo. Vamos tentar você também? Ai vão as dicas:

1. Ler estimula a imaginação, é divertido, é gostoso, é instrutivo. Ajuda a entendermos conceitos, despertar para as coisas que nem imaginavamos, é uma viagem sem sair do lugar. Para completar, em geral é muito mais interessante que televisão e computador.

2. Estabeleça uma meta - você é quem vai decidir isso. Dois livros por mês já é muito bacana para quem não termina nem dois no ano.

3. Faça uma meta diária - a sugestão é fazer uma media de quantas páginas você consegue ler em um dia, e multiplicar pelo número de dias da semana, assim você mantém uma media, e deve se manter nela o ano inteiro.

4. Faça uma rotina - Exemplo: deitar na cama as 20h,  ler duas horas e dormir.

5. Vai pegar ônibus? Tenha um livro em mãos. Tá esperando a hora do salão? Nada de ver novidades dos famosos na Caras. A única coisa que a gente perdoa é ficar com pessoas queridas (nesse caso, pode deixar o livro de lado um pouco).

6. Trapacear está valendo também - comece optando por leituras curtas.

Então, está esperando o que?

Meta 2014! E não se esqueçam de entrar no blog para ler as resenhas, pegar dicas de leituras, participar dando sua opiniao a cerca do livro e também indicar novas leituras.

Um abraço a todos e boa leitura!

"O que a vida é não sabemos. O que a vida faz sabemos bem." - Resenha do livro "A assinatura de todas as coisas" - Elizabeth Gilbert

Se você não leu o livro "Comer, Rezar, Amar", com toda certeza assistiu ao filme, ou até mesmo ouviu alguma conhecida (aqui me refiro ao sexo feminino, pois a história é totalmente voltada aos dilemas de 99,9% das mulheres) contar sobre uma mulher que viaja o mundo atrás de respostas, passando por três derradeiras etapas até chegar ao tão esperado final, o descobrimento do amor próprio.

O novo livro de Elizabeth Gilbert não é diferente disso, o livro narra a história de Alma Whittaker, uma cientista que nasce no ano de 1800 nos Estados Unidos, e é filha de um ambicioso botânico que construiu por conta própria uma das maiores fortunas da Filadélfia. Desiludida no amor, viveu grande parte de sua vida de forma solitária e reservada, e devido ao destino, ela se vê encarando uma aventura atrás de respostas para a vida.  E não é da própria vida que Alma busca suas respostas, e sim para os porquês da evolução natural da vida. Lhe garanto que ao longo da resenha, você vai entender...

O livro é dividido em cinco partes, cada um conta em detalhes minuciosos todos os aspectos que vão formar a personalidade de Alma ao longo dos anos, e nos deixar absolutamente ligadas a essa personagem e por sua busca incessante por respostas. Quem nunca se pegou pensando o porque das coisas? Gozado, que como acredito que nada nos acontece por acaso, este livro foi parar em minhas mãos em um momento onde estava me questionando muitas atitudes alheias e claro, as minhas próprias.

Vamos ao livro: A primeira parte se dedica exclusivamente a contar a história de Henry Whittaker, pai de Alma. Henry era o caçula de um casal pobre que já possuía filhos em demasia, e vivia em uma casa paupérrima. Seu pai trabalhava no pomar de Kew, um jardim público situado dentro de um palácio em Richmond. Henry, com sua ambição extremada, começa a roubar algumas plantas do pomar de Kew e vender para homens importantes do meio da botânica. Desta forma, ele passa a conhecer e se especializar cada vez mais sobre as características peculiares de plantas, flores, árvores e afins. Ele vira afinal, um botânico por tabela. Irônico, não?

Eis que, o dono do pomar é Joseph Banks, um homem pelo qual Henry nutri grande inveja e admiração, pois quer um dia se tornar igual a ele, ou até mesmo, muito melhor. Banks, para puni-lo de seus roubos, mas ao mesmo tempo, vendo no garoto um enorme potencial para seu negócio, o envia de navio para explorar as terras do Taiti atrás de novos tipos de plantas. E é desta maneira que Henry constrói seu império, o White Acre, onde Alma nasce e vive praticamente sua vida inteira.

Vamos a nossa protagonista: Alma é filha de um homem que tem como meta ser sempre rico, independente dos escrúpulos necessários para tal  fim, e de uma mulher absurdamente inteligente e metódica, que conhece tudo sobre botânica, e educou Alma desde o momento em que disse sua primeira palavra a se portar como uma mulher além de seu tempo, só tendo o conhecimento como fonte de vida e nada mais além disso. "Quem possui conhecimento, possui poder". Foi assim que Alma cresceu, junto a uma irmã adotiva, Prudence, que não possuía todos os dotes espetaculares de Alma, porém tinha posse de um, que infelizmente Alma não teve tanta sorte: a beleza estonteante.

Grande parte do livro conta a relação desta família um tanto quanto diferenciada, e em um determinado momento, um personagem peculiar é introduzido a história, Ambrose Pike, o responsável pelo inicio da jornada incessante de Alma por respostas imaculadas. Pike revela a Alma a teoria da "Assinatura de todas as coisas". Segundo ele, Deus teria escondido pistas para o aperfeiçoamento da humanidade dentro da estrutura de cada flor, folha, fruta e árvore da terra. A natureza inteira era um código divino. Por exemplo: muitas plantas medicinais se assemelhavam as doenças que podiam curar, ou aos órgãos que seriam capazes de tratar. O manjericão, com suas folhas em forma de fígado, é o remédio obvio para doenças do figado. A erva celidônia, que produz seiva amarela, poderia ser utilizada para tratar o amarelado causado pela icterícia. Nozes, em forma de cérebros, são providenciais em caso de dores de cabeça, e por aí vai. Pike, não só acreditava nisso, como também se considerava um anjo enviado por Deus, e afirmava ouvir nas pessoas e na natureza suas vozes gritando mesmo quando o som não saia de suas bocas. Alma, sempre muito cética (assim foi ensinado por sua mãe), apenas encarou a confissão de Pike como uma loucura de um gênio que desenhava orquídeas como se elas estivessem vivas em uma folha de papel.

Alma e Pike se casam, mas um casamento que não sai da forma que Alma imaginava. Pike queria um mariage blanc (trata-se de um casamento casto, sem trocas carnais). Alma, até então com 50 e poucos anos de idade, casada, porém virgem, acaba não aguentando tamanha humilhação e o taxa de louco, mandando-o assim de navio para o bom e velho Taiti. Praticamente um exílio pelo seu não cumprimento de deveres de marido. Como poder amar enlouquecidamente uma pessoa e não poder toca-la? Alma não conseguia entender.

Passado muitos anos, Alma recebe de Dick Yancey, funcionário de seu pai nas transações comerciais em alto mar, a noticia que Pike morreu no Taiti, e sua valise cheia de seus desenhos de orquídeas é deixada com Alma, revelando um segredo que a priori explica o porque de seu casamento fracassado. Pike possuía desenhos de um homem nu em posições extremamente eróticas. Alma chega a conclusão que seu ex marido era um sodomita. Tudo vira uma extrema confusão, quando seu pai, Henry, acaba falecendo, e Alma, não vê mais sentido em viver o resto de sua vida na mansão de White Acre, e resolve abandonar tudo e partir para o Taiti, atrás do culpado pelo seu fracasso no amor. Nesse ínterim, Alma descobre que sua irmã adotiva renunciou de forma altruísta à sua felicidade em nome do amor e devoção a sua família de adoção. Alma não vê outra forma de agradecer, se não deixando tudo no nome da irmã, que na época lutava de forma incessante contra a escravatura e o comércio de escravos.

A penúltima parte do livro retrata toda a aventura de Alma, narrando de forma consistente suas experiencias em alto mar, e vivendo no meio de taitianos de forma quase selvagem. É lá que ela conhece, Amanhã Cedo, o nome do homem que ela descobre afinal, seduziu e induziu seu marido a praticar atos sodomitas. Ela percebe afinal, que Pike realmente buscava a purificação da alma através da assinatura de todas as coisas. Amanhã Cedo, era apenas um missionário perverso, que assim como seu pai, não media esforços para satisfazer suas vontades. Pike foi afinal, apenas uma vítima.

É lá, que Alma tem seu primeiro insight sobre a evolução das espécies. Em um momento, onde se viu entre a vida e a morte, ela acha forças inexplicáveis para tentar sobreviver, e após este episódio, resolve sair do Taiti e ir para a Holanda, onde a família de sua mãe ainda vivia. Como boa cientista e possuidora de conhecimentos invejáveis, Alma embarca numa jornada pelas respostas de uma teoria que ela aprendeu na jornada pela resposta de seu próprio sofrimento: a origem da natureza.

A teoria de Alma se baseava no seguinte: o mundo natural era o campo de amoralidade e de luta constante pela sobrevivência. Todas as formas se superavam enfrentando seus rivais para assim predominar sua própria especie, permanecendo e se adaptando ao ambiente, a fim de continuar vivo. Porém, havia nessa teoria uma lacuna a ser preenchida: se fosse assim também na humanidade, porque o altruísmo ainda existia? E cada vez mais forte? Porque uns passavam fome para dar comida aos outros? Porque pessoas se arriscavam em prol da continuidade da vida dos outros?

O momento de clímax do livro é quando nos é apresentado Charles Darwin, um naturalista, como bem sabemos, que ficou famoso por convencer a comunidade cientifica da ocorrência da evolução das especies (sim, nós somos a evolução dos macacos) e como ela se dá através da seleção natural e sexual.

Ironia demais nessa obra, onde é a chegada a hora que nos é exposta a mesma teoria de Alma desde sua volta do Taiti onde buscava respostas pela sua falta de evolução no amor.

Alma se vê no meio de uma das mais importantes descobertas do século, mas ela descobre dentro de si sua própria natureza, através de uma narrativa cheia de desejo, ambição e amor. Convido você a embarcar nessa jornada rica de informações sobre nossa história, mas também rica em histórias de vida, de pessoas, de fundamentos, ideias e superstições.

Termino essa resenha deixando o que pude absorver desta leitura intrigante e muito bem construída: a vida é um eterno enigma e muitas vezes é uma provação, mas, se a pessoa é capaz de achar nela alguns fatos, ela já possuí o conhecimento, pois ele é o bem mais precioso de todos.

Minha nota: 9,0

domingo, 1 de dezembro de 2013

"Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas." - Resenha do livro "O Perfume" - Patrick Suskind

Todas as vezes que me posto em frente ao meu notebook para escrever sobre um livro, meus dedos iniciam um trabalho insano de palavras, que só consigo parar quando o texto já está no final, porém desta vez, me peguei encarando a tela e refletindo milhões de vezes como vou me expressar sobre um livro de extrema dificuldade. O entendimento de uma alma mergulhada nas trevas, como a de Jean - Baptiste Grenouille, o protagonista desta magnífica obra, com certeza, me deixou marcas profundas de desespero, aflição, agonia e cheiros. Sim, a sensação olfativa é tão absurda, que juro por tudo que considero mais sagrado, que pude sentir cheiros a cada vez que abria o livro de Patrick Suskind.

O livro começa com a narrativa do nascimento de Grenouille. As palavras são elaboradas para criar o maior impacto possível no leitor, pois exala uma sensação extrema de nojo. A profusão de detalhes, minúcias, enriquecidas pelas associações olfativas e visuais de sua vinda ao mundo, já anuncia aquilo que com a leitura, vai formar a personalidade perturbadora de um assassino. Grenouille já nasce arrastando consigo uma morte, a da própria mãe. Nosso protagonista se despede de qualquer sentimento de amor, solidariedade, fraternidade e tudo que se relacionar ao altruísmo, para viver apenas dentro de seu universo, que gira em torno de uma fantasia surreal. Grenouille não possuí cheiro nenhum, mas em compensação ele cheira absolutamente tudo de uma forma um tanto quanto excêntrica.

Sua ausência de odor, numa sociedade onde o banho não fazia parte dos hábitos de higiene diários, o torna anormal perante algumas pessoas, que chegam até o apelidar de "ser proveniente do demônio". Essa característica perturbadora o torna um ser excluído da sociedade, pois ele se torna completamente desapercebido por onde passa.

O mais perturbador da história não é sua falta de odor, e sim as pessoas que passam pela sua vida, que voluntariamente ou não, contribuem para o desenvolvimento de sua alma assassina. Eles sofrem uma especie de castigo, talvez por terem contribuído para a propagação do mal, personificado na pessoa de Grenouille.

O primeiro contribuinte é a mãe de Grenouille, que o carrega no ventre por nove meses e paga com a vida o fato de ter gerado um monstro. A segunda contribuinte é Madame Gallard, dona de um orfanato onde Grenouille vive boa parte de sua infância. Madame Gallard foi vitima de maus tratos na infância e devido a um acidente, perdeu o olfato e com isso não identifica a falta de odor em Grenouille.

No livro, fica muito claro que a capacidade de afeto e olfato estão intimamente relacionados, então somos levados a crer que Madame Gallard não consegue se afeiçoar por nenhuma criança do orfanato justamente pelo fato de não conseguir cheira-las. E é justamente aqui que começamos a entender como Grenouille se sente: um ser que não era amado e nem estimado por ninguém, simplesmente por não possuir cheiro.

O castigo de Madame Gallard é o de terminar seus dias de uma forma completamente oposta aquilo que seria o seu desejo: a morte misera e precária dentro de um hospital publico após uma longa e próspera vida.

O terceiro contribuinte é Grimal, o curtidor de peles que Grenouille trabalha como escravo. Grimal utiliza mão de obra infantil composta por órfãos e os deixa a mercê de contaminações e infecções contraídas pelo contato com animais em decomposição e com os vapores corrosivos utilizados para o tratamento de peles. Grenouille possui uma notória resistência a tudo isso e é considerado extremamente valioso, sendo assim vendido ao perfumista Baldini. Já Grimal, sofre um estranho acidente após a venda de seu mais valioso órfão.

Com Baldini, Grenouille aprende tudo sobre o oficio de um perfumista, se tornando não só um verdadeiro mestre na criação de odores, mas cada vez mais próximo de seu único objetivo de vida: ele deseja poder exalar o odor das pessoas que o fascinam, o carisma que lhe foi negado a nascença.

Voltando a Baldini, este vê todos seus sonhos literalmente desmoronarem quando Grenouille o abandona. Mais um castigo...

A trajetória assassina de Grenouille se inicia quando ele percebe um cheiro inusitado, que vem de uma belíssima jovem ruiva. Surge-lhe então uma ideia: ele quer aquele perfume para si. Ele quer inspirar o amor, a adoração nos outros através do cheiro natural que aquela jovem emana. Ele então, a mata com o único intuito de se apoderar de seu perfume. A partir daí, o que vai guiar sua vida é conseguir extrair o perfume, a essência da beleza no seu estado mais puro e como consequência conseguir a submissão da humanidade. Ser um Deus glorificado por todas os seres vivos através do odor.

Aqui estamos falando somente da primeira parte do romance (eu disse que seria complexo falar sobre esta obra). Na segunda parte, temos um tempo muito longo onde Grenouille se isola da humanidade por 7 derradeiros anos, onde pela primeira vez percebe que ele próprio não possui odor. Um encontro com si mesmo em uma terapia de choque, o isolamento de todo possível odor humano o faz perceber que ele não é como todos. Então, resolve retomar seu grande objetivo e volta a civilização, onde se encontra com o lunático Marquês Tallade- Espinasse, um pesquisador que procura a confirmação para uma extravagante tese sobre um suposto elixir para a vida eterna. Mais um contribuinte que acaba morrendo congelado nos Alpes imediatamente após a partida de Grenouille.

Na terceira parte do livro, Grenouille inicia então, a real jornada para a execução do seu grande plano. Nesta fase, ele conhece Madame Arnulfi, uma artisan parfumeur, que o ensina como extrair odores de flores. Grenouille encontra o que necessita e passa a matar obsessivamente os seres belos para lhes extrair essa mesma beleza e utiliza-la depois como instrumento de vingança contra a humanidade, que sempre o excluiu por ser destituído dessa mesma beleza odorífera.

O ingrediente principal do seu grande perfume é Laure, a moça mais bela da região, cujo odor deixou Grenouille completamente obcecado. O pai de Laure, Richis, acaba por meio de um insight prevendo que a última vitima do assassino de belas moças, seja sua filha. Ele não entende o porque dessas mortes tão horrendas, mas por um erro de calculo, acaba facilitando os planos de Grenouille, e este consegue realizar o seu grande feito e cria assim, o melhor perfume do mundo.

Aqui, entro no momento mais inebriante do livro, a cena mais surreal que já visualizei: Grenouille é pego pela policia e sua pena é ser castigado como Jesus foi na cruz em plena praça publica, visto por centenas e milhares de pessoas. Aqui deixo uma pergunta: Não era assim que ele imaginava seu objetivo final? Ser conclamado como Jesus Cristo?

Voltando a cena, neste momento Grenouille derrama sobre si uma singela gota de sua criação, a junção da essência de 25 jovens deslumbrantes, e todas as centenas e milhares de pessoas iniciam uma gigantesca orgia, desencadeada pelo sortilégio do perfume, que enlouquece a todos, os envolvendo em uma luxuria e erotismo sem igual.

Neste momento, Grenouille percebe que nunca será amado por si mesmo, mas apenas quando estiver em posse do perfume divino. Compreende então, sua verdadeira essência: sua satisfação não está no amor, mas no ódio. Ele então, toma a mais controvérsia decisão: morre por obra de sua própria criação mais perfeita: uma morte desencadeada por excesso de paixão. Grenouille morre através do canibalismo, onde pessoas o comem por estarem inebriadas com seu cheiro. E a última frase do livro é: "Pela primeira vez fizeram algo por amor".

Acredito piamente que quem leu esta resenha até o final está sem saber o que pensar, prefiro não dizer muito, pois como Grenouille, a graça e a busca do entendimento está no sentir e não no falar. Sinta como eu, essa força sobrenatural da busca incessante pelo auto conhecimento e da necessidade sobre humana de amar e ser amado.

Uma obra magnifica sem descrição. Estou estupefata pelo inebriante cheiro da aceitação.
Definitivamente o melhor livro que li em minha vida.

Deixo aqui uma das melhores citações da obra:

"...as pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza, e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou de palavras sedutoras. Mas não podiam escapar ao aroma. Pois o aroma é um irmão da respiração - ele penetra nas pessoas, elas não podem escapar-lhe caso queiram viver. E bem para dentro delas é que vai o aroma, diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente entre atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas"

Para quem se interessar, o livro foi submetido a imagens no belíssimo filme de Tom Tykwer (Perfume - A história de um assassino) gravado em 2006. Deixo aqui o trailer, mas aconselho seriamente a não viverem sem ler esta obra, e também sem deixarem de ouvir sua extravagante trilha sonora. Uma viagem a essa história altamente qualificada em criatividade e busca por incessantes respostas.





Minha nota: a máxima que houver