quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

"Tal pai, tal filho" - Resenha do livro "O Jantar" - Herman Koch

Sou uma fã assumida de suspenses psicológicos, e não pude deixar de passar reto por uma prateleira em especial no andar de uma livraria em São Paulo. Eis que me deparo com uma capa vermelha e a sombra de 4 pessoas com o título "O Jantar". Lendo a sinopse, o autor prometia uma leitura recheada de tensão. Bom, ele cumpriu o que prometeu. O livro de Herman Koch faz com que você sinta ódio, raiva, amor, empatia ou qualquer outro sentimento genuíno pelos personagens desta história intrigante. Posso afirmar com convicção que meus sentimentos foram elevados a um novo patamar.

O Jantar é narrado por Paul, irmão de Serge Lohman, um candidato a primeiro ministro que mantém sempre um sorriso no rosto. No inicio, Paul descreve seu irmão como um falso hipócrita que só possui o egocentrismo como prioridade para reger sua vida. Admito que nos primeiros capítulos simpatizei e até tive pena de Paul, e muita raiva do jeito grosseiro de ser de Serge. Mas as coisas mudam...ou melhor, as máscaras caem.

Os capítulos são divididos em: entrada, prato principal, sobremesa e digestivo. O livro começa e termina em um restaurante de classe alta, onde Paul, Serge e suas respectivas esposas se encontram para discutir o futuro de seus filhos, que ao longo da narrativa, vamos descobrir que cometeram um crime revoltante.

Eles iniciam o tenso jantar falando sobre trivialidades, como filmes que estão em cartaz e sobre suas férias de verão. Conforme o prato principal vai sendo servido, é Serge quem chega ao cerne da questão, e a partir daí a narrativa ganha traços cada vez mais obscuros.

Seus filhos (Michael e Rick) cometeram um crime de deixar qualquer um com a boca aberta: ao sair de uma festa eles vão sacar dinheiro em um caixa eletrônico e encontram uma sem teto dormindo no meio de cobertores e papelões dentro do recinto. Fedendo muito e incomodando os adolescentes, os mesmos resolvem jogar em cima dela tudo o que encontram pela frente (lixo, um abajur abandonado e até que resolvem por fim incendia-la). O problema é que tudo foi gravado por um câmera de segurança e divulgado na mídia como um crime passional de horrível repercussão, e todos querem saber quem são os autores de tal absurdo. Seus rostos não ficam claros na gravação, por isso nenhum dos dos dois adolescentes é descoberto, mas Paul e Serge sabem muito que são seus filhos os participantes daquela cena que paralisa toda a Holanda (um pai sempre reconhece seu filho a km de distância).

É visível a habilidade que o autor tem de engabelar o leitor durante o enredo. Paul narra desde as excentricidades do jantar (como por exemplo, a mania irritante do gerente do restaurante de apontar cada prato com o dedo mindinho) à sua vida particular. No meio de uma narrativa e outra, somos levados a conhecer mais a fundo a personalidade de cada personagem. Paul sofre de bipolaridade e é expulso de seu trabalho por ser considerado violento, e sua esposa encara uma doença gravíssima, onde quase deixa Paul sozinho no mundo com Michael. Serge e a esposa adotaram um garoto da África que mais tarde descobrimos estar chantageando Michael e Rick por ter presenciado todo o crime. Ou seja, a cada página virada, somos surpreendidos a ponto de querer roer as unhas e acabar logo com aquele mistério todo.

Toda minha reação ao longo da leitura foi de choque. Choque de ver como o ser humano é capaz de banalizar a vida humana, e até onde um pai e uma mãe são capazes de ir para salvar a vida de um filho. O debate maior da obra é sobre se eles deveriam entregar seus filhos a justiça ou simplesmente acobertar o crime e encarar o ato como mera infantilidade. Porque incendiar uma sem teto é bem normal nos dias de hoje, certo?

O melhor momento da obra em minha opinião é quando Paul narra a vez que Michael teve que fazer um trabalho escolar sobre o tema "pena de morte". Neste momento conseguimos perceber que Michael e o pai acreditam que seres que não fazem a menor diferença em uma sociedade devem sim...morrer e sofrer. Nessa hora fiquei pasma e pensei "preciso escrever sobre isso". Vamos ao tema em questão por alguns minutos: sou a favor da pena de morte para pessoas que cometeram crimes horripilantes, como foi o caso no Brasil da filha que matou os próprios pais pela cobiça de sua fortuna, ou o casal que jogou uma menina de 5 anos de uma janela porque ela era muito mimada. Para mim isso soa como pura crueldade e sim, merecem um fim trágico, se não a pena de morte, pelo menos um trabalho agonizante até o fim da vida. Agora, incendiar uma sem teto somente porque ela estava dormindo dentro de um caixa eletrônico? Até que ponto foi nos dado o poder de tomar uma decisão como essa? Se até para a pena de morte, existe um julgamento minucioso a respeito da sanidade do condenado, como um mero cidadão caminhando pela rua resolve machucar alguém pelo simples fato de ter prazer com isso? Essa é a grande questão abordada na obra de Herman Koch.

No final do livro, ficou claro para mim que "tal pai, tal filho", caberia muito bem para analisar a situação como um todo. Paul sofre de distúrbios sérios e pode ter passado essas características para seu filho Michael e o levado a cometer o crime por simples justificativa de uma doença mental. Mas e a mãe de Michael? Ela não possui nenhum problema psicológico que justifique sua postura em defender o filho alegando ser uma brincadeira de criança, uma imaturidade que ao longo da vida será corrigida. Serge não possui nenhum traço problemático, somente o fato que é uma figura publica e não deu muita atenção ao filho Rick, aí me questiono novamente: seria essa também uma desculpa para o crime? Carência o levou a machucar o próximo para conseguir chamar a atenção?

Quais são as reais justificativas para os atos horrendos que cometemos contra o ser humano? Essa é a grande polemização a cerca do livro. Acredito estar tão chocada com o desfecho dessa leitura que não consigo criar um fim apropriado a essa resenha, a não ser recheá-la de questionamentos.

Para terminar deixo uma mensagem de Fernando Pessoa para reflexão:

"Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem quer passar além do bojador, tem que passar além da dor. Deus ao mar, o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu"

Minha nota: 9,0

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Creio que uma forma de felicidade é a leitura!

Hoje é dia 7 de janeiro, o dia do leitor. Deixo aqui uma pequena homenagem as pessoas amantes dos livros como eu...eles me ajudaram a superar medos, encontrar a felicidade em pequenas coisas, a enxergar o mundo de maneira otimista e a me superar a cada dia podendo ter o privilegio de escrever sobre eles.

"LER NUNCA É UMA ATIVIDADE PASSIVA. ATRAVÉS DA LEITURA, O LEITOR IDENTIFICA E CRIA LUGARES, PERSONAGENS E ESTÓRIAS. MUITAS VEZES, SE PROJETA NO QUE ESTÁ LENDO"

"Já ouvi falar de pessoas que chegam atrasadas ao seu próprio enterro, mas tive a distinção incomum de chegar atrasada ao meu próprio nascimento." - Resenha do livro "Chá de Sumiço" - Marian Keyes

2014 começou e junto com ele muitos livros já lidos, e ideias de resenhas borbulhando na cabeça e loucas para serem transformadas em palavras.

Eis que ganho do bom velhinho o novo livro de Marian Keyes. Chá de Sumiço me pegou de surpresa, porque imaginei que a história seria uma e conforme fui virando suas páginas me deparei com um conflito que considero o pior de todas na existência humana, a falta do conhecimento próprio. A vida é uma tremenda confusão, e determinados acontecimentos importantes passam tão desapercebidos que o que era confuso no inicio se torna medo, angústia e uma falta completa de definição. "O que eu sou? O que eu gosto? O que eu quero?"

Vamos falar sobre o livro: Nossa protagonista é Helen, a única irmã pirada da família Walsh que faltava possuir sua própria história contada em um livro de Marian Keyes (para quem acompanha a autora, seus outros livros retratam a vida das irmãs de Helen - se você ainda não leu, não perca tempo, encontre aqui nesse blog as resenhas de todas as histórias dessa família graciosa e ao mesmo tempo, intrigante).

Helen não vive um bom momento em sua vida. Seu trabalho como detetive particular não vai nada bem, seu apartamento foi tomado por falta de pagamento e seu ex conturbado namorado surge com uma proposta de trabalho: encontrar o desaparecido músico de uma boy band do momento. Precisando do dinheiro, ela se vê forçada a aceitar, o que causa nela uma grande confusão - conviver com o ex e relembrar seu passado obscuro, e também administrar seu atual relacionamento com um homem muito sexy, porém com uma bagagem um tanto quanto pesada (3 filhos e uma ex mulher).

Helen é arrastada para um mundo complexo, perigoso e glamouroso do showbiz. A banda é a Laddz, e a mesma está desintegrada há anos, mas como todos os integrantes precisam de dinheiro, seu ex namorado (um produtor musical de tabela) resolve ressuscita-los e promover alguns shows especiais para arrecadar fundos. A trama começa quando um dos principais integrantes toma um chá de sumiço e desaparece. Porém, não é o sumiço do músico que movimenta a história, e sim a descoberta da nossa protagonista do quanto ela tem em comum com o desaparecido.

Helen se mostra uma pessoa destemida, alegre e como alguns gostam de nomear "porra louca". Porém, ficamos em choque quando é revelado que ela passou um período de sua vida doente e ainda sofre com a fase que assolou sua vida. Ela se depara com essa faceta, quando percebe que o integrante sumido têm o mesmo problema que ela, uma depressão extremamente profunda, que os faz pensar constantemente em suicídio (alias, em vários momentos do livro tentativas de acabar com a própria vida são retratadas por Helen). Fiquei surpresa em ler a respeito da depressão, pois pude perceber que mesmo a mais feliz das pessoas, aquelas que aparentemente não possuem nenhum tipo de problema, escondem algumas coisas em seu interior que acabam por lhe fazer muito mal, de maneira bastante avassaladora. O mais interessante é que ninguém ao redor desse tipo de pessoa percebe nenhuma mudança em sua personalidade, e nem mesmo a própria portadora da doença. Um assunto que acredito piamente que todos deveriam ler a respeito. Eu mesma já sofri deste grande mal e o que mais eu ouvia ao meu lado era "Você é tão alegre e animada, não pode sofrer de depressão"...pois é meus caros leitores, a vida é mesmo uma caixinha cheio de mistérios.

O mais bacana do livro é a sensibilidade que a autora usa para tratar de assuntos sérios em meio ao humor. Ela usa uma personagem alegre, feliz e cheia de si para expor uma doença gravíssima, fato este que leva o motivo do descobrimento de Helen de sua condição a desaparecer. A depressão pode fazer com que nada ao nosso redor faça sentido, nossa vontade é mesmo tomar um chá de sumiço, um fio de cabelo vira uma peruca, uma sujeira vira um armazém de esgoto e uma lágrima vira um riacho de lamentações.

Para ser bem simplória, a definição de depressão é uma doença que se caracteriza por mudanças no humor e pela perda de prazer em atividades cotidianas, que antes eram prazerosas ou motivadoras.

O gozado é que no livro, Helen demonstra todos esses sintomas, mas quando ela percebe que o objeto de suas investigações também sofre deste mesmo mal, ela vê uma motivação quase sufocante em encontra-lo e nesse ínterim se encontrar também. Nossa investigadora semi profissional só desvenda o mistério do desaparecimento do músico quando admite a si própria o que é, quando não chega atrasada ao seu próprio nascimento e finalmente vê no espelho o reflexo do seu verdadeiro eu. É com esse "clique" que Helen percebe tudo e dá um desfecho no chá de sumiço, e o substitui por uma boa dose de chá de auto conhecimento. Uma verdadeira lição de vida, eu diria, se ao menor dos infortúnios eu chamasse de "choque de realidade", uma das mais eficazes maneiras de se salvar da depressão. 

Não espere um desfecho sensacional para o misterioso sumiço do músico, pois Marian não é autora do gênero policial, mas espere por incríveis reviravoltas, descobertas fenomenais e o mais revelador dos mistérios: "Agora eu sei o que eu sou, o que eu quero e o que eu gosto". 

Com toda essa história de superação, espere um final feliz a Helen em relação a sua vida profissional e amorosa, mas esses dois aspectos são meros coadjuvantes para a verdadeira felicidade que é se auto conhecer e abrir todas as portas para a tão aclamada vontade de viver. 

Obrigada Marian Keyes, você me fez entender melhor quem eu sou, o que eu quero e o que eu gosto.  Eu vi em Helen meus maiores medos, e também vi em seu grau de superação minha maior alegria. 2014, seja bem vindo com muitos livros motivadores e verdadeiros professores da vida. 

Obs: essa resenha eu dedico a uma grande amiga irmã que me presenteou com este livro tão significativo. Adriana Ribeiro, obrigada por sempre me apoiar em minhas iniciativas e saber que o amor supera qualquer obstáculo. Essa daqui vai para você!

Minha nota: 9,0