sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

"São as palavras e as fórmulas, mais do que a razão, que criam a maioria de nossos julgamentos." - Resenha do livro "Em busca de abrigo" - Jojo Moyes

Definitivamente Jojo Moyes está entre minhas autoras favoritas, mas nem eu sabia que Em Busca de Abrigo foi seu primeiro livro publicado. Por já ter lido algumas de suas obras, confesso que é notável como sua escrita e criatividade evoluiu. Embora a história, quanto a construção das personagens tenha me agradado, seria mentira dizer que foi uma leitura frenética, dessas que não conseguimos desgrudar do livro. Na realidade, demorei bastante tempo para concluir a leitura, porque encontrei nela algumas dificuldades, que se deu em certos momentos de forma bastante lenta e monótona. Contudo, os últimos capítulos ganham um novo ritmo de forma que me senti mais envolvida pela história em suas últimas páginas. 

Em seu livro de estreia, conhecemos três mulheres da mesma família e de gerações diferentes. A primeira personagem a nos ser apresentada é Joy nos anos 1953 na noite de coroação da Rainha Elizabeth II. Joy está reunida com a comunidade de expatriados de Hong Kong, em uma festa para celebrar o acontecimento da coroação e acompanhar a cerimônia. Ou pelo menos, tentar.

Joy para inicio de conversa, não queria estar ali. Aos 21 anos, ela não é como as outras mulheres da sua idade, que sonham  em se casar e usar vestidos extravagantes. Joy odeia reuniões de alta sociedade e não suporta o fato de ser tão alta que precisa olhar para baixo ao falar com qualquer pessoa da cidade. Acontece que aparentemente não só Joy parece não estar interessado na cerimônia. E este alguém digamos de passagem, se torna seu futuro marido no dia seguinte. Sim, no dia seguinte. 

Depois de conhecer Joy, somos transportados para mais de 20 anos depois, e conhecemos Kate, uma garota de 18 anos que foge do Condado de Wexford na Irlanda com uma filha. E então, 15 anos mais tarde, conhecemos Sabine, que está a caminho de Wexford para passar um tempo com a avó que nunca conheceu. Entendemos enfim que Sabine é filha de Kate, que é filha de Joy. Conhecemos então a família Ballantyne. 

Capítulo a capítulo acompanhamos três histórias diferentes, que juntas são a história de uma família. O que resta saber é se essas três mulheres que tem seus segredos e personalidades diferentes conseguirão se relacionar como uma família. Coisa que elas nunca fizeram questão de fazer antes. 

Joy que ama mais seus cavalos e seus cachorros de caça do que ela própria, tem uma personalidade bem difícil de lidar, apesar de ser uma mulher extremamente forte e destemida. Kate em contrapartida ama sua filha incondicionalmente, mas parece em um primeiro momento uma mulher muito carente e insegura, que vive pulando de relacionamento em relacionamento, deixando Sabine sempre confusa e sem entender o verdadeiro conceito de família. A adolescente por sua vez, critica constantemente as atitudes de sua mãe e de sua avó, não compreendendo porque uma parece não ter amadurecido, e o porque a outra ser tão rígida, reclusa e fechada em seu universo paralelo. 

Kate vê um abismo enorme e crescente entre ela e Sabine. Às vésperas de fazer uma jornada de volta a Irlanda para ver seus pais e resgatar seu passado, Kate se pergunta como elas chegaram a essa situação, e o que ela pode fazer para mãe e filha se reconectarem. 

Para Joy, ver sua neta é a realização de um sonho. Após uma dolorosa separação de sua filha Kate, ela aguarda ansiosamente a chegada de Sabine. Porém após a chegada da neta, a conexão que ela esperava não acontece, diminuindo desta forma seu grande entusiasmo. 

E quando o impetuoso temperamento de Sabine força Joy a encarar fantasmas do passado, ela percebe que talvez seja a hora de fechar antigas feridas.

O interessante é que conforme vamos tomando conhecimento sobre as histórias destas três mulheres, percebemos que a vida tem uma maneira engraçada de se repetir. Elas na verdade não são tão diferentes assim. Cada uma carrega na verdade um pouco da outra, e o que bastava para se tornarem de verdade uma família era a capacidade de compreenderem seus passados, e o porque muitas vezes usamos artifícios para gritar ao mundo qual realmente é a nossa dor.

O livro não apenas te envolve com estas três personagens, como te faz entender vários pontos de vista da mesma história. Muitas vezes me peguei confusa por não conseguir optar por um lado, já que todos os sentimentos de cada personagem fazem sentido. Mesmo que sejam inadequados algumas horas, são sempre compreensíveis e humanos.

Joy, Kate e Sabine nos mostram que relacionamentos são complexos, e que as pessoas não são simplesmente boas ou más, e que muitas vezes tentam fazer o seu melhor e acabam sendo incompreendidas. Por terem medo, desistem e optam por esconderem seus sentimentos dentro de uma carapuça falsa. E o que basta para esse jogo virar é algo muito simples de se fazer: ouvir e tentar entender atitudes que até então achamos imperdoáveis.

Por mais razões que supostamente se tenha em relação a outras pessoas, por mais que elas estejam em dificuldade ou inseridos em erros, a grande lição é: evite julgar. Ninguém tem informações suficientes para fazer um excelente veredito e colocar-se acima dos fatos e da verdade. Quando se julga alguém, normalmente nos baseamos em nossas réguas, e nem sempre elas estão alinhadas em um nível superior para saber o que é o melhor, o que é o certo e o que é o errado.

Neste comportamento ainda geramos uma energia que não nos é nada positiva. No lugar de julgar, talvez seja mais prudente oferecer uma ajuda ou um apoio. Defeitos são parte integrante das pessoas, o que é defeito aos olhos de um, pode não ser defeito aos olhos do outro. O que é veneno para um, pode ser remédio para outro. Julgar é tirar os olhos de nós mesmos, esquecer daquilo que realmente somos, e também dos erros que inserimos em nossas vidas.

Entre um erro e outro, algumas pessoas se encontram, entre um erro e outro se reconhece aliados, entre um erro e outro ficamos diante de nossa verdade ou de nossa mentira. Assim é o caminho de quem erra, mas pior é o caminho de quem julga, pois se coloca acima de todos esses erros.

O que esta obra quer nos ensinar é que quando perceber que está julgando alguém, tente inverter os polos, transforme este julgamento em disponibilidade de prestar um auxílio dentro de suas possibilidades.

Ao final, ao mesmo tempo em que me emocionei com algumas conclusões e aprovei o modo como as três acharam de se entender, também fiquei com uma sensação de algo ter ficado incompleto. Alguns conflitos foram resolvidos sem que houvesse uma conversa suficiente para isso, ou até mesmo que outros pontos acabaram permanecendo em aberto.

No final, tudo se resume a uma história de três gerações de mulheres frente as verdades fundamentais do amor, dever e o inquebrável elo que une mães e filhas.

Deixo aqui uma frase que para mim resume basicamente do que o livro se trata, e deixo para vocês refletirem, como eu refleti ao terminar a leitura, o que de fato significa família:

"A família é como um barco no mar tempestuoso deste mundo. Quando todos remam juntos, com amor e compreensão, ela sempre chega ao cais da felicidade."

Minha nota: 5,0

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

“Que o destino ache bonito nós dois juntos e o amor goste de ficar entre nós. Ou não” – Resenha do livro “Nós”: David Nicholls

O que aconteceria se um dia você acordasse ao lado de sua esposa, e ela simplesmente te dissesse que não quer mais estar casada com você?

É desta forma que "Nós" de David Nicholls inicia. 

Douglas Peterson, um bioquímico de 54 anos, totalmente apaixonado por sua profissão, por organização e limpeza, é acordado por Connie, sua esposa há 25 anos, quando ela lhe diz que quer o divórcio. O momento não poderia ser pior. Com o objetivo de estimular os talentos artísticos do filho, Albie, que acabou de entrar na faculdade de fotografia, Connie planejou uma viagem de um mês pela Europa, uma chance de conhecerem em família as grandes obras de arte do continente. 

Connie imagina que não seria o caso de desistirem da viagem por conta de sua repentina vontade de não estar mais casada com o seu marido, e Douglas secretamente acredita que estas férias vão reacender o romance dos dois, e quem sabe também fortalecer os laços entre ele e seu filho, que digamos de passagem, não é lá muito bom. 

A esperança é o mote que caminha lado a lado conforme os capítulos vão se desenrolando, em uma história totalmente narrada pelo nosso protagonista Douglas, onde acompanhamos página por página como o romance entre ele e Connie começou, entendendo desde o princípio a complexidade do sentimento amor. 

Douglas e Connie se conheceram em um jantar promovido pela irmã do nosso protagonista, e por ser completamente anti social, Douglas honestamente nem queria estar ali. A princípio quando colocou seus olhos em Connie, ele não achou a moça nem um pouco interessante, mas depois de algumas conversas, eles foram ficando cada vez mais próximos. Logo estavam passando mais e mais tempo juntos, e descobrindo que as diferenças podem sim ser um alavanca para uma bonita história de construção do sentimento mais cobiçado do mundo, o amor. 

O inicio de suas histórias foi um tanto quanto estranha: ela uma artista, popular e liberal, enquanto ele um bioquímico centrado e acuado, somaram estas diferenças para resultar em um casamento precoce, mas cheio de empolgação por parte dos dois, visto que ambos começaram a ter contato com vidas totalmente opostas a que estavam acostumados a ter. 

Nos primeiros anos de um casamento repleto de descobrimentos, Connie e Douglas engravidaram e tiveram uma menina, que não resistiu e morreu logo após o nascimento. É neste momento que acontece a primeira grande crise do casal. Acompanhamos de perto a luz de Connie sendo apagada pela dor de uma perda tão significativa, mas também acompanhamos Douglas sendo a melhor pessoa que ele poderia ser, mesmo sofrendo tão igualmente a sua mulher.

Como sempre após a escuridão, vem o pote de ouro no final do arco íris, e Albie nasce, para que desta forma eles pudessem viver plenamente felizes...Ou não...

Para infelicidade de Douglas, Albie é exatamente como a sua mulher, uma pessoa com espírito livre, visão artística e nem um pouco interessado em números e métodos de organização. Como boa relação familiar, muitos conflitos acontecem entre Albie e seu pai, com Douglas sempre saindo com o papel de vilão no final. 

Todo o livro acontece durante a viagem dos três a Europa, e enquanto acompanhamos o itinerário construído em minucias por Douglas cair por água baixo por constantes brigas entre a família, e a decisão repentina de Albie em continuar a viagem sozinho, deixando Douglas e Connie completamente a deriva.

Seguindo as pistas para descobrir o paradeiro do filho, nosso protagonista cruza Alemanha, Itália e Espanha. Durante esta verdadeira saga, somos levados as lembranças do início do casamento, as conquistas e a solidificação de uma família. Um estrutura de capítulos curtos e textos objetivos, que tem como intenção nos revelar até que ponto a esperança pode nos levar, e que portas ela pode abrir.

Não há nada de muito inédito ou espetacular, mas a visão aguda de David Nicholls para os dramas cotidianos é o que torna o romance especialmente envolvente. "Nós" se revela uma leitura prazerosa, mas totalmente esquecível. Romance de viagem tragicômico, sobre um protagonista em crise de meia idade. O bom humor é um ponto positivo na obra, que traz leveza a um livro que surpreende no final por um desfecho não esperado em romances de prateleira.

Mas a lição que o livro quer nos passar é que o amor é o caminho que nos leva a esperança. E esta não é uma espécie de consolação, enquanto se esperam dias melhores. Nem é sobretudo expectativa do que virá. Esperar não significa projetar-se em um futuro hipotético, mas saber colher o invisível no visível, o inaudível no audível.

Descobrir uma dimensão outra dentro e além desta realidade concreta que nos é dada como presente. Sim, nem tudo que vem em formato negativo, de verdade é ruim. Todos os nossos sentidos são implicados a acolher, com espanto e sobressalto, a promessa que vem, não apenas num tempo indefinido futuro, mas já hoje, a cada momento. A esperança nos mantém vivos. Não nos permite viver macerados pelo desânimo, absorvidos pela desilusão, derrubados pelas forças da negatividade. Compreender que a esperança floresce no instante é experimentar o perfume do novo.

Através do olhar esperançoso de Douglas, entendemos que absolutamente tudo é um presente, por mais que em determinado momento não é possível enxergar desta forma.

Dizem que quando uma porta se fecha, uma janela sempre se abre, e acho que depois de ler este livro, finalmente compreendemos que esta premissa é sim totalmente verdadeira.

Minha nota: 6,5