segunda-feira, 12 de março de 2018

“Às vezes não somos nós que estamos no leme, e não podemos fazer mais do que confiar que tudo vai dar certo" - Resenha do livro "Baía da Esperança" - Jojo Moyes

"A esperança não murcha, ela não cansa, também como ela não sucumbe a crença, vão-se sonhos nas asas da descrença, voltam sonham nas asas da esperança."

É com essa premissa que escrevo sobre a nova obra de Jojo Moyes, Baiá da Esperança, que já inicia em seus primeiros capítulos a apresentação de um lugar mágico nos confins da Austrália, repleta de belezas naturais, e com habitantes cativantes que fazem de Silver Bay um verdadeiro paraíso. 

Conhecemos logo de cara Kathleen, uma senhora que administra um hotel que outrora já conhecera muito luxo e glória. Ela é famosa por ter pescado o maior tubarão de todos os tempos quando era pequena, mas atualmente dedica seus dias a administrar sua hoje precária e pouco procurada pousada. Alguns capítulos depois, conhecemos sua sobrinha Liza, uma mulher séria, fechada e que passou por um grande trauma em sua vida. Liza dedica seus dias a trabalhar em um barco levando turistas para observar baleias e golfinhos, e é a mãe de Hannah, uma garotinha inteligente e perspicaz, que adora o mar, mas que estranhamente não pode se aventurar nele, já que sua mãe não permite tal feito. Todas moram no hotel de Kathleen e vivem do que a baía basicamente oferece. 

Depois de acompanharmos a rotina destas três gerações tão diferentes de mulheres, somos apresentados a Mike, um empreendedor que vive em Londres, e que está prestes a se casar com a filha de seu ambicioso chefe. Mike é enviado a Baía da Esperança para avaliar o local, a fim de construir um grande e imponente resort de luxo no lugar. 

É desta forma que a vida desses quatro personagens se cruzam, quando Mike se hospeda na pousada de Kathleen, e lá conhece vários habitantes da ilha, seus trabalhos e o amor incondicional que sentem por aquele lugar, sua flora e fauna, e claro, suas baleias. 

A narrativa é feita sob o ponto de vista dos personagens principais: Hannah, Kathleen, Liza, Mike e alguns personagens secundários, numa espécie de mosaico de vivências e sentimentos, que vão construindo a história e oferecendo ao leitor uma perspectiva ampla dos fatos. O ponto alto desta obra são os personagens, muito bem construídos individualmente. 

Conforme vamos conhecendo de maneira mais profunda cada um deles, Mike se sente cada vez mais próximo de tudo o que vê, e a razão pela qual ele veio parar naquele lugar, começa e a se tornar cada vez mais secundária. Contudo, os habitantes da ilha descobrem que um resort está prestes a ser construído, colocando em risco a vida das baleias, e principalmente, que Mike está envolvido nisso tudo. 

Capítulo a capítulo vamos percebendo que Mike começa a pensar em tudo que está fazendo e como isso afetará a população e os animais marinhos. Ele acaba se aproximando muito de Liza e sua filha, e Kathleen é a personagem que se torna mais amiga de nosso possível anti herói. Então o dilema está instalado: O que é mais importante? Ganhar uma promoção no trabalho por causa da construção de um super empreendimento, ou defender essa cidadezinha tão pequena mas ao mesmo tempo tão especial?

A ambição é uma caraterística exclusiva do ser humano. Só o ser humano tem o desejo intrínseco de poder. Os animais lutam quando estão em risco de vida, mas os humanos lutam por razões muito menos categóricas. A razão fez o homem perceber que se for mais forte que o outro terá poder sobre ele. E da mesma forma que a "lei da selva" na natureza determina que o mais forte vence sempre, também na subentendida lei da competição, da concorrência ou do desejo permanente de poder, o mais forte vence sempre o mais fraco. A diferença existente entre a lei da selva natural e a "lei da selva humana", é que na primeira existe apenas uma força, bruta e natural, enquanto que na segunda existem forças que nem sempre são claras e objetivas. Entre os animais as regras são claras e definidas de uma forma só mutável pela evolução natural das espécies. Entre os homens as regras são permanentemente mutáveis e muitas vezes obscuramente definidas. As mais diversas estratégias são usadas para conseguir o mesmo objetivo, cada um conforme as suas diversificadas, naturais, adquiridas e artificiais capacidades. 

A inteligência humana, ou apenas a sua esperteza, transformou o homem, retirando-o da natureza e modelando-o de uma forma artificial, em direção por um lado a perfeição sublime, e por outro, a existência trafico - cômica. De fato, o homem não é um animal, ou é um "animal superior", mas quando comparado com todos os outros animais, apresenta diferenças que foram originadas na sua linguagem, devido ao seu cérebro superior, que por um lado são extraordinárias, como a capacidade de criação, de adaptação, de imaginação, de compreensão, mas por outro lado são muito desmotivantes. O homem é o único animal que tem tabus, é o único animal que mata sem necessidade, que engana, que mente, e que infelizmente mascara suas ações.

E a ambição é um dos defeitos do ser humano, por ser a principal causadora de atos de baixo nível, que levam a indecência, a desonra, a desonestidade, a infâmia, a ignorância, a falta de respeito, de caráter e de orgulho, que o diminuem para além dos próprios animais irracionais.

E se é certo que a ambição também contribui para o desenvolvimento humano, considerando que os ambiciosos são os que não tem quaisquer escrúpulos para ultrapassarem qualquer tipo de barreiras, não será menos certo que a vida de muitos seres humanos foi e continua a ser insuportável devido a exagerada ambição de outros.

Será também, desta forma, a ambição, uma prova de que existe uma espécie de dualismo na evolução humana, no sentido de que para existir o bom tem que existir o mal, pressupondo que a evolução humana partiu do animal não no sentido ascendente, mas num sentido alargado, tornando-se por um lado superior, por outro lado inferior ao próprio animal.

Mas nem de total ambição vive o homem. Quando ele percebe que está exagerando ou mesmo errando, vem o sentimento de esperança de que ele pode mudar, pode fazer diferente e melhor. E é este impasse que Mike e os demais personagens vivem capítulo pós capítulo, outrora ambiciosos ou medrosos até demais, nossos queridos personagens começam a perceber que precisam mudar, não só pelos outros ao seu redor, mas por eles mesmos. E então nasce a jornada da esperança, e é nela que foca o livro.

A esperança é o combustível da vida, a forma de mantê-la viva é não prender os olhos nas tragédias, pois a cada desgraça que contemplamos corremos o risco de perdê-lo. Existe na mitologia grega a presença de uma figura interessante: uma ave chamada fênix, que quando morria entrava em autocombustão e passado algum tempo depois, renascia das próprias cinzas. A fênix, o mais belo de todos os animais fabulosos, simboliza a esperança e a continuidade da vida após a morte. Revestida de penas vermelhas e douradas, as cores do sol nascente, possuía uma voz melodiosa que se tornava triste quando a morte se aproximava.

A impressão causada em outros animais por sua beleza e tristeza chegava a lhes provocar a morte. Nossa vida passa por este processo várias vezes em um único dia, ou seja, sair das tragédias para contemplar a beleza que não morreu, a vida que existe ainda, como fazia essa ave mitológica. Alguns historiadores dizem que o que traria a fênix de volta a vida, seria somente o seu desejo de continuar viva.  O desejo de continuar a viver era sua paixão pela beleza, que é a vida.

A medida que perdermos ilusões e incompreensões, temos o espaço real no qual pode crescer a esperança, que nada mais é do que a certeza de que tudo pode ser melhor do que o que já vemos e vivemos.

O homem pode ser resistente as palavras, forte nas argumentações, mas não sobrevive sem esperança.

Ninguém vive se não espera por algo bom, que seja melhor do que o que já acontece, já possui ou já experimentou. É o desejo de caminhar no caminho certo.

Agora resta apenas saber se Kathleen, Liza, Hannah e Mike optaram no final por trilhar este certeiro caminho.

Minha nota: 8.5