quinta-feira, 12 de abril de 2018

"Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber algum amor em troca." - Resenha do Livro "O menino do vagão" - Pam Jenoff

"Que essa ocasião solene faça emergir um mundo melhor, com fé e entendimento, dedicado à dignidade do homem e à satisfação de seu desejo de liberdade, tolerância e justiça." Segunda Guerra Mundial (1939 -1945). 

O menino do vagão é uma história de ficção que se passa em um dos períodos mais sombrios da humanidade, a Segunda Guerra Mundial. Retratado como pano de fundo, nos deparamos capítulo a capítulo com os medos e horrores de uma guerra onde o mundo conheceu e viveu o que há de pior nos seres humanos. Onde a simples diferença de raças servia como pretexto para fuzilar ou jogar pessoas em uma câmara de gás, pessoas essas que eram "eleitas" inferiores por uma classe que se achava acima de tudo e de todos. 

Apesar de contar com uma sinopse até certo ponto dramática e um pouco romantizada, O menino do vagão mergulha de maneira profunda nos sentimentos, e nos faz refletir e sentir na pele o drama, o medo e o pavor que pessoas inocentes eram submetidas pela escolha dos outros. 

O livro de Pam Jenoff conta a história de duas mulheres, Noa e Astrid. Noa é uma jovem holandesa de apenas dezesseis anos, que depois de engravidar de um soldado alemão, é expulsa de casa pelo pai, sem dinheiro e sem nenhuma pessoa com quem ela possa contar. Perdida em uma estação de trem, Noa conhece uma senhora que lhe dá um "bom" conselho. Nossa protagonista é instruída a doar seu bebê ao Reich, já que é branca, loira e tem uma aparência bem parecida com a raça ariana. Noa então pede ajuda a uma instituição alemã que acolhe mães solteiras, as alimenta e cuida durante suas gestações.  Porém no momento de dar a luz ao seu bebê, Noa entra em pânico ao perceber que seu filho não tem olhos claros e nem cabelos loiros. A criança é arrancada de seus braços e literalmente descartada pelas enfermeiras. Assim, sem dinheiro e nenhuma perspectiva, Noa continua na Alemanha limpando banheiros em uma velha estação de trem.

Mas o destino sempre nos reserva uma segunda chance, e é quando em um determinado dia, Noa escuta um barulho vindo de um vagão, e ao abri-lo se depara com muitos bebês, alguns incrivelmente ainda vivos largados em cima de outros bebês já roxos e mortos pela fome e pelo frio. Levada pelo instinto materno, Noa foge com um dos bebês, e percebe durante sua fuga que ele é circuncidado. Em pânico, Noa começa a correr e desmaia devido ao frio intenso com a criança enrolada em seu casaco. Quando ela acorda, ela está deitada em uma cama em um lugar completamente desconhecido. E é  aqui que ela conhece Astrid. 

Astrid foi criada no mundo circense e é de origem judia. Excelente trapezista, foi casada com o soldado Erich, porém tudo desaba quando a guerra é declarada, e seu marido sendo um soldado de Hitler, é obrigado a se divorciar dela por sua origem judaica. Sozinha e sem amparo, Astrid volta para a casa dos pais, que infelizmente se encontram desaparecidos. Em busca de seus paradeiros, ela bate na porta de um antigo dono de um circo rival de seu pai, e para sua surpresa, ele lhe oferece ajuda a empregando como trapezista de seu circo. 

Acontece que Noa desmaia no perímetro onde está instalado o circo que Astrid trabalha, e a mesma recebe a incumbência de se tornar uma trapezista para ajudar na apresentação de sua nova parceira e professora. A condição é essa, se ela quiser abrigo para ela e para o bebê, que inicialmente ela mente dizendo que é seu irmão. No começo, Astrid não enxerga Noa com bons olhos, mas aos poucos as dificuldades que a guerra vai impondo faz com que as duas criem um forte laço de amizade, e as verdades sobre suas vidas e escolhas são colocadas a prova, como ato de confiança que uma pode ser a fortaleza da outra. 

Pam Jenoff conta uma história incrível, nos apresentando o mundo do circo e suas dificuldades durante a Segunda Guerra Mundial. Mesmo sendo julgados pela sociedade da época, o circo ajudava muitos judeus que tentavam se esconder, como era o caso de Astrid que precisava se refugiar toda vez que soldados alemães vinham fazer suas rondas pelo circo. Também vemos como os animais sofreram com a guerra sem alimentos nem para si próprios e nem para os humanos, que acabavam ou emagrecendo demais, ou morrendo. 

Mas o que mais nos toca são os cenários tristes que nossas protagonistas enfrentam, e mesmo perante tantas dificuldades, sempre havia espaço para o amor. Sim, o amor. Ambas conseguem amar de novo e confiar de novo, e é aqui que mora toda a beleza desta dramática história. Sim, se prepare para ficar boquiabertos em alguns momentos de sua leitura, e derramar algumas boas e pesadas lágrimas. 

O menino do vagão é um livro tenso e dramático, que lembra muito os livros sobre guerra da autora Kristian Hannah. Apesar de se passar em um cenário pesado e triste, a autora nos entrega uma escrita cadenciada, com capítulos que fluem muito naturalmente para conhecermos cada ponto de sua história, tornando quase impossível nos cansarmos deste livro. Durante toda sua narrativa, somos surpreendidos com revelações que vão se completando e aliviando um pouco o ar sombrio da vida de segredos de cada personagem em meio a guerra, fazendo com que o leitor se aproxime cada vez mais de cada um destes incríveis personagens. 

O desfecho desta obra é bastante improvável, e quase não conseguimos estar preparados para os acontecimentos que seguem a etapa final, nos deixando em estado de profunda reflexão. 

Mas sem entregar o final desta bela história, eu gostaria de falar sobre salvação.

Salvar é continuar a acreditar no outro, mesmo sabendo que alguns valores muito estranhos permeiam pelo mundo. Salvar é continuar otimista mesmo sabendo que o futuro que nos espera nem sempre é tão alegre. Salvar é continuar com vontade de viver, mesmo sabendo que a vida é em muitos momentos uma difícil lição de ser aprendida. Salvar é permanecer com vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que com as voltas que o mundo dá, eles vão indo embora das nossas vidas. Salvar é realmente ter a vontade de ajudar as pessoas, mesmo sabendo que muitas delas são incapazes de sentir, entender ou utilizar a sua ajuda. Salvar é manter o equilíbrio, mesmo sabendo que muitas coisas que vemos no mundo nos escurecem os olhos. Salvar é ter garra, mesmo sabendo que a derrota e a perda são ingredientes tão fortes quanto o sucesso e a alegria. Salvar é atender a nossa intuição, que sinaliza sempre o que há de mais autêntico em nós mesmos. Salvar é praticar o sentimento de justiça, manifestar amor por nossa família. Salvar é acima de tudo lembrar que todos nós fazemos parte desta maravilhosa teia chamada vida, e que as grandes mudanças não ocorrem por grandes feitos de alguns, e sim, nas pequenas parcelas cotidianas de nós todos. 

Noa e Astrid nos dão uma bela lição do que significa salvar colocando o que todos nós temos de melhor para oferecer a nós mesmos e aos outros ao nosso redor: o amor.

"Nós, pessoas do circo, não vemos nenhuma diferença entre raças ou religiões."

Minha nota: 10 com louvor. 

Ecos da Segunda Guerra Mundial:

"Meglio vivere un giorno da leoni che cento anni da pecore." (Melhor viver um dia de leão, do que cem anos de cordeiro) - Benito Mussolini

"Vocês se arrependerão por terem sido tão amáveis"  Adolf Hitler, a seus generais, poucos dias antes do fim. 

"Isso não é o fim, não é nem o começo do fim, mas talvez seja o fim do começo." - W. Churchill, após vitória dos aliados na África.