terça-feira, 24 de setembro de 2013

"Os mortos não ficam onde os enterramos" - Resenha do livro "Se eu fechar os olhos agora" - Edney Silvestre

O que falar de Edney Silvestre? Correspondente internacional do jornal "O Globo" e da TV Globo, realizou coberturas importantes como o atentado ao World Trade Center, os furacões na Flórida e na América Central, reportagens no Iraque e tantas outras que marcaram a história do mundo. É muito gratificante ler uma obra tão dinâmica de um autor brasileiro, um "correspondente" de sua própria amada e idolatrada pátria.

Peguei o livro em minhas mãos e me deparei com a capa que carrega uma foto em preto e branco do fotografo Henri Cartier-Bresson. Um menino andando em uma bicicleta, e um título em letras minúsculas que diz "se eu fechar meus olhos agora". Não nego que fui pega de surpresa pela foto e pelo título. Pensei no mesmo instante "Porque alguém iria querer fechar os olhos? Para não encarar uma realidade que se mostra nua e crua, porém real?" "E a foto da bicicleta? É um sinal de fuga?" Nessa hora sabia que aquele livro seria meu e que o leria acompanhado de uma ópera italiana. Não se pergunte o porque, mais garanto que fará mais sentido ao longo da resenha.

A história gira em torno de um assassinato brutal que levou a vida de uma jovem mulher muito bem apessoada. Em abril de 1961, o corpo da mesma é encontrado por dois meninos de 12 anos, largado a margem de um lago, em uma pequena cidade da antiga zona de café fluminense. A jovem é encontrada mutilada, facadas são reveladas em todo o seu corpo e um de seus seios foi cortado e levado como "brinde" pelo assassino. Quando encontram o corpo, os dois meninos, vulgo Eduardo e Paulo, resolvem contar a polícia o que viram e são a principio, presos por suspeita pelo crime. Logo são liberados, pois o marido da vitima se entrega, dizendo que foi ele quem praticou aquele ato hediondo. Os pré adolescentes não aceitam aquilo como verdade e iniciam junto a um velho que mora em um asilo da cidade (Ubiratan, um ex preso politico da ditadura de Vargas) uma investigação a cerca da misteriosa mulher morta e seu verdadeiro assassino.

Nessa hora você deve estar achando que ao ler esse livro, vai se deparar com um thriller cheio de mistérios e soluções a la Agatha Christie. Me desculpem os fãs da escritora, porque eu mesma o sou, passei minha infância tentando desvendar quem eram os assassinos no final de seus livros  (que nunca eram quem imaginávamos), mas neste livro, nos deparamos com um terrível caminho de amadurecimento para a chegada da vida adulta, de Eduardo e Paulo.

Nas investigações, eles se veem frente a frente com mudanças radicais na política do Brasil, os votos sendo praticados de forma democrática, mulheres sendo inseridas na sociedade como papel de importante cidadão, e revelações acerca de um cenário não tão bonito, como a violência sexual, a prostituição, o racismo e a corrupção.

Prepare- se para se enojar com a forma como os negros eram tratados, como meninas de apenas 15 anos de idade eram violentadas com objetos em todos os orifícios existentes, em como as alianças politicas se misturavam em meio a todo esse cenário inescrupuloso e horripilante. Uso dessas palavras porque eu mesma lia as páginas chorando de ódio em imaginar essa realidade, que infelizmente, acontece a rodo ainda nos dias de hoje.

O livro passeia por gêneros distintos: o policial, o histórico e o romance. Retrata de forma dura a essência da sociedade que vivemos. Sim, infelizmente, vivemos no passado e ainda vivemos no presente um racismo bilateral (cor e preferencias sexuais), uma politica repleta de crimes, favores sendo trocados em prol do problemático mais necessário dinheiro, famílias se deteriorando sem ao menos enxergar a realidade que os rodeia. E é nesse retrato que Paulo e Eduardo, com apenas 12 anos de idade, enxergam de forma tão simplória uma equação matemática de difícil solução.

São eles que desvendam sem malicia o verdadeiro autor do assassinato, e acabam levando para suas vidas o aprendizado de que mesmo quando a vida se encarrega de nos empurrar de forma bruta a um acontecimento repentino, ele traz também consigo uma descoberta intima e profunda de quem somos e aquilo que nos importa de verdade. O significado de lealdade, de ética e moral.

Ser ou não ser um astronauta? Salvar o mundo com a descoberta da cura da AIDS?

- "Não, não, eu prefiro ser engenheiro"

São essas as últimas palavras do livro. Palavras estas que me levaram a realidade, assim como com Paulo e Eduardo.

Não vou fechar meus olhos para o que aconteceu ao meu redor, não vou desistir dos meus sonhos, mas vou alcançar o sonho plausível, aquilo que não faça eu deixar de enxergar e vivenciar o que é real, importante e correto para mim. Foi pensando desta maneira, que encerrei a leitura desta obra.

Vou voltar agora para o inicio: para minha vontade em ler o livro ouvindo uma opera italiana. Já ouviram falar de uma opera chamada "A Tosca" de Giacomo Puccini? Nela, encontramos uma atmosfera tensa na politica da Itália. Uma agitação revolucionaria de caráter socialista e anarquista. Mas a historia gira em torno da opção de Floria Tosca em salvar o amado Cavaradossi da morte, em troca de sua dignidade ao atender os desejos carnais do barão Scarpia. Não deixa de ser um romance aterrador, munido de cenários políticos. Essa opera me veio a tona quando percebi o enredo do livro de Silvestre. E pasmem, no livro uma das prostitutas é apaixonada por essa opera e a ouve incessantemente todos os dias antes de atender um cliente.

Coincidência ou eu que preciso também fechar e abrir meus olhos para a realidade que me rodeia?

A se pensar...



Minha nota: 10 com louvor máximo!

Não posso deixar de mencionar que o autor ganhou o tão cobiçado prêmio Jabuti como melhor romance em 2010 por "se eu fechar os olhos agora". Portanto, vale cada minuto despendido ao ler essa grandiosa obra.

Para conhecimento, segue abaixo a opera de Puccini:

4 comentários:

  1. Estou apaixonada pelos seus textos!!!!!!

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    1. Má, sem palavras! Muito obrigada pelo apoio! Visite sempre! =)

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  2. Milena, que gran finale rs Muito bom!

    Realmente é bem mais apropriado ser engenheiro!

    Mas e os engenheiros do invisível, também estão incluso? rs

    Gostei da maneiro como pensou o livro. Pensando nela, gostaria de saber:

    Posso chamar a realidade de um delírio coletivo?

    O ser humano deve somente seguir seu instinto?

    O instinto do homem é fazer o bem ou mal?

    O que é bom pra mim tem que ser bom pros outros?


    Ah, parabéns pelo blog muito bem ambientado (agora com ópera =D) e instigante.

    E ... fechar e abrir os olhos pra realidade é poético. rs

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  3. Rodrigo, não sei lhe dizer se ser engenheiro é mais apropriado. Acredito que o apropriado é aquilo que se encaixa perfeitamente em nossos conceitos e preceitos. Acredito que foi essa a mensagem que o livro quis passar. Chegarmos no nosso amadurecimento (nosso eu enfatizo, porque para uns o significado de amadurecer é um e para outros, é completamente diferente) e escolher uma trilha para a vida de acordo com que acreditamos e pregamos como correto. Não existe certo ou errado, mal ou bem. Existe sim, o quadrado de cada um. No livro os dois adolescentes são obrigados a amadurecer de uma forma abrupta. E isso os leva a refletir sobre certas coisas que na idade deles muitos não refletem. O amadurecimento precoce pode ser bom, segundo o livro foi bem positivo e uma verdadeira lição de vida, como termino minha resenha. E a opera foi uma concidencia tremenda, mas uma surpresa muito agradável rs. Grande abraço e continue visitando!

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