terça-feira, 29 de novembro de 2016

"Só existe um tipo de gente: gente." Resenha do livro "O Sol é para todos" - Harper Lee

Todos me perguntam qual é o meu livro preferido. Sempre me pego pensando e nunca acho uma resposta perfeitamente correta para esta pergunta. Como uma completa aficionada por livros, escolher um preferido é uma tarefa de alta complexidade, mas O Sol é para todos deixou uma marca em meu coração, que posso afirmar sem pensar demais que ele com certeza está na minha lista de livros marcantes. 

O livro de Harper Lee conta a história de duas crianças no árido terreno sulista norte americano da Grande Depressão no início dos anos 1930. Jem e Scout Finch testemunham a ignorância e o preconceito em sua cidade, Maycomb - símbolo dos conservadores estados do sul dos EUA, empobrecidos pela crise econômica, agravante do clima de tensão social. 

A esperta e sensível Scout, narradora desta belíssima obra, e Jem, seu irmão mais velho, são filhos do advogado Atticus Finch, encarregado de defender Tom Robinson, um homem negro acusado injustamente de estuprar uma jovem branca. Mas não é apenas desta acusação e deste julgamento que os irmãos Finch percebem o racismo no pequeno município do Alabama onde vivem. Nos três anos em que se passa a narrativa, ambos se deparam com diversas situações em que negros e brancos se confrontam. 

Ao longo do livro, os dois irmãos e seu pequeno amigo de férias Dill, passam por tensas e divertidas aventuras, que desencadeiam em importantes descobertas e aprendizados. Nos capítulos vividos ao lado de personagens cativantes como Calpúrnia, Boo Radley e Dolphus Raymond, as crianças aprendem e ensinam sobre empatia, tolerância, respeito ao próximo e a necessidade de se estar sempre aberto a novas idéias e perspectivas. 

O livro é dividido em duas partes, sendo a primeira destinada a traçar o perfil da sociedade de Maycomb, tudo sempre sob a ótica de uma criança de seis anos de idade. Durante suas férias, Scout, Jem e Dill tentam fazer com que o vizinho Arthur Radley, que tornou-se uma pessoa reclusa há anos (e portanto as crianças não o conhecem), saia de casa. Eles inventam histórias absurdas a respeito de Boo, como o apelidaram, as quais demonstram como são crianças de imaginação engenhosa. Envolto por mistérios, acabam criando um perfil assustador do vizinho. 

Já na segunda parte, tudo muda na sossegada e imaginativa infância de Scout, pois é quando seu pai, Atticus, inicia a defesa de um negro no tribunal. A mudança do comportamento da sociedade de Maycomb muda drasticamente e acompanhamos esta transformação sobre o olhar de uma criança, a qual se torna alvo das mesmas discriminações voltadas a seu pai. 

Apesar do complexo assunto da discriminação social, o Sol é para todos é um livro leve, engraçado e fácil de ler. Como é narrado por uma criança, sua inocência e doçura acabam afetando o leitor de uma maneira muito dura. Nunca o preconceito foi retratado desta forma, com a inocência infantil como pano de fundo, mas assumo que foram nas palavras da pequena Scout que eu me peguei refletindo porque o mundo parece querer que o Sol brilhe somente para uns e não para todos. Um assunto extremamente atual, que nos dá um verdadeiro soco no estomago sobre a intolerância racial, fazendo um paralelo também a julgamentos imaginativos errados que todos fazemos o tempo todo sobre tudo e todos. Assim como as crianças julgaram um ser humano recluso como inimigo, a sociedade de Maycomb julgou um homem erroneamente por sua cor de pele. O preconceito navega de forma muito sutil neste livro, mas nos mostra que no final o resultado é o mesmo, independente se estivermos falando sobre preconceito ou sobre julgamento. Há apenas um sol e o que nos falta aprender é a dividi-lo igualmente para todos. 

Todos sabemos que no mundo há grandes diferenças entre pessoas, e que simplesmente por estupidez e ignorância cria-se o preconceito, que acaba por gerar conflitos e desentendimentos. E aí que me questiono: onde se encontra os Direitos Humanos que dizem que todos são iguais, se há tanta desigualdade do mundo?

Manchetes de jornais relatam constantemente: "Homem negro sofre racismo em lojas de departamento", "Mulheres recebem salários menores que os homens", "Rapaz homossexual é espancado até a morte", "Jovens de classe alta colocam fogo em morador de rua", "Hospitais públicos em condições precárias não conseguem atender pacientes", "Ônibus não param para idosos", "Escola em mau estado é interditada e alunos ficam sem aula". Seria isto um sinal de que nenhum de nós está fazendo sua parte para a igualdade social, ou vamos colocar a culpa no outro e dizer que "o governo não faz a sua parte", ou "pobre precisa mesmo sofrer" e por aí vai?

Infelizmente não se nasce preconceituoso, este tipo de coisa a gente aprende. Mas sabe o que ninguém nos ensina? Que só existe um tipo de gente: gente. 

Até quando vamos suportar o peso de nos julgar tão diferentes um do outro? Branco, negro, alto, baixo, gordo, magro, rico, pobre, mulher ou homem, somos todos parte de um mesmo núcleo, e todos abrimos a janela e vislumbramos o mesmo sol.  O que muda é como o encaramos no desafio de se viver em um mundo tão igualmente desigual. 

Termino essa resenha concluindo que o preconceito racial e social em uma pessoa é inversamente proporcional à sua capacidade de corrigir os próprios erros. 

"Temos de aprender a viver todos como irmãos, ou morreremos todos como loucos." Martin Luther King. 

O Sol é para todos é o único livro de Harper Lee e se tornou best seller mundial. O livro recebeu muitos prêmios desde sua publicação, em 1960, entre eles o Pulitzer. Traduzido em 40 idiomas, vendeu mais de 30 milhões de exemplares em todo o mundo, e em 1962 foi levado as telas com Gregory Peck, ganhador do Oscar por sua interpretação de Atticus Finch. O Librarian Journal dos EUA deu sua maior honraria a história elegendo-a o melhor romance do século XX. Em 2006, uma pesquisa na Inglaterra colocou O Sol é para todos no primeiro lugar da lista de livros mais importantes seguido da Bíblia e de o Senhor dos Anéis de J.RR. Tokien. Também entrou para a lista da Time Magazine dos Cem Melhores Romances de todos os tempos. 

Que seus 30 milhões de exemplares possam trazer conscientização para o maior número de pessoas possíveis. O mundo precisa de suas palavras Scout. Obrigada por tocar nossos corações e nos ensinar tanto com tão pouco. 

Minha nota: 10 com louvor.