terça-feira, 27 de maio de 2014

"O tempo é um ladrão impossível de apanhar" - Resenha do livro "O Ladrão do Tempo" - John Boyne

Você já se pegou pensando como seria viver por 256 anos? Em o Ladrão do Tempo embarcamos em uma jornada fascinante de um personagem anti heroico, Sr. Zéla, ou como ele mesmo prefere ser chamado depois de dois séculos vividos, "Mattieu apenas, por favor".

A trama começa contando como Mattieu nasceu e perdeu seus pais ainda muito novo. Na romântica Paris, em 1743 durante a dinastia Bourbon, nasce nosso protagonista, filho de Jean e Marie Zéla. Jean morreu quando Mattieu tinha apenas 4 anos de idade, mas não pense que ele morreu lutando bravamente em uma guerra. Nada disso, ele foi simplesmente arrebatado por um objeto pontudo que acertou sua nuca, o derrubou no chão e uma lamina grossa atravessou sua garganta. Quem foi o responsável pelo terrível assassinato? Não se sabe, era muito comum naquela época atos de violência pelas ruas charmosas de Paris, assim como também uma justiça igualmente arbitrária. Marie se casou outra vez, com um ator chamado Philippe Dumarqué. Com mania de grandeza e uma forma um tanto quanto terrível de lidar com as problemáticas da vida, Philippe espancou impiedosamente Marie até sua morte em 1758. Deste casamento nasceu Thomas, o meio irmão de Mattieu, que acaba se tornando sua responsabilidade no decorrer de seus primeiros anos vivendo forçadamente como um adulto.

Depois do julgamento de Phillippe e seu consequente fim em uma execução em praça pública, Mattieu e seu meio irmão embarcam em um navio rumo a Dover, e é onde nosso anti herói conhece o seu primeiro e grande verdadeiro amor: Dominique. Juntos, eles passam por diversas situações, e Mattieu vai aprender desde muito novo importantes lições sobre amor, traição, amizade e responsabilidade.

Quando Mattieu atinge 50 anos de idade, ele percebe que não envelhece mais fisicamente, e isso o permite acompanhar diversas gerações problemáticas de seu meio irmão Thomas, conhecer muitos tipos de amor, e passar por diversos cargos e empregos, e até mesmo conhecer figuras públicas conhecidas de todo leitor que embarcar nessa jornada de mais de 200 anos de história. Prepare-se para ao longo da narrativa vivenciar fatos e personagens históricos envolvidos de uma forma ou de outra na vida de Mattieu. Enquanto você folheia as páginas, será normal, por exemplo, acompanhar Mattieu trocando amenidades em uma festa com Charles Chaplin ainda jovem buscando sua fama já conhecida por nós na atualidade.

Porém, o livro não se trata de uma lição de história, e sim sobre a principal questão não compreendida pela nossa humanidade em pleno século XXI: pessoas. A obra aborda todas as milhares de pessoas que conviveram com Mattieu e o que estas lhe causaram como efeito. 256 anos são muitos anos para se conviver com especies muito distintas de pessoas.

Existem milhares de personagens neste livro, mais tentarei de uma forma sucinta resumir a obra sendo justa e objetiva: Com uma vida tão duradoura, você esbarra em incontáveis tipos de gente. Mattieu conhece sujeitos honestos e trapaceiros, homens virtuosos que tiveram um único momento de insanidade arrebatadora, porém suficientes para leva- los direto a ruína, e canalhas mentirosos cujos únicos atos de generosidade ou integridade lhe abriram caminho para a salvação. Assassinos, carrascos, juízes e criminosos, trabalhadores e preguiçosos, homens cujas palavras impressionaram e levaram outros a agir, convicções em princípios que ascenderam faíscas de luta e mudanças por direitos básicos do homem, charlatões que leram discursos que não escreveram, homens que proclamaram grandes ambições mais falharam em executa- las, homens que mentiram para suas esposas, mulheres que traíram seus maridos, pais que insultaram seus filhos, descendentes que amaldiçoaram seus ancestrais, bebês nascendo e adultos morrendo, pessoas que precisavam de ajuda e aquelas que Mattieu matou por necessidade. Ele conheceu todo tipo de homem, mulher e criança. Todas as facetas da natureza humana nas terras deste mundo vasto. E ele observou, escutou, absorveu palavras, testemunhou fatos e se distanciou de todos eles com nada mais que suas próprias lembranças para traduzi las de sua cabeça para as paginas deste livro.

Sim, o livro é a forma que Mattieu encontrou para contar sua história e deixar registrado que possivelmente foi e será a única pessoa a atravessar tantos e tantos anos de vida. O curioso é que o próprio Mattieu não entende porque foi abençoado ou amaldiçoado com a vida eterna, ou a síndrome do Peter Pan, se vocês preferirem classificar assim.

O livro é dividido em três fases, que ficam intercalando entre si o tempo todo. Enquanto em um capítulo acompanhamos Mattieu adolescente, no outro vivenciamos suas viagens, seus casamentos fracassados, seus empregos, sua fase adulta e depois ele na atualidade que conhecemos. Tudo isso vira uma junção do que será incumbido para ser o seu futuro. Mattieu possui um carma que vamos entendendo ao longo da leitura: ele nunca consegue se desvencilhar das gerações Dumarqué, sempre que um de seus sobrinhos, que estranhamente carregam o mesmo nome: Tommy ou Tomas, engravidam uma mulher, o bebê homem nasce e o pai morre de forma trágica, e Mattieu paralelamente, nunca consegue manter um casamento, pois também estranhamente uma tragédia acontece levando embora suas escolhidas como companheiras mesmo que a curto prazo, visto que ele não envelhece e consequentemente também não morre.

Na atualidade Mattieu quer mudar o padrão e não ser mais o ladrão do tempo, mais sim permitir que o tempo não seja um ladrão impossível de apanhar. Ele resolve não deixar que uma tragédia aconteça com seu atual sobrinho dos anos 90: o novo Tommy. Não vou entregar o final, mais garanto que nos últimos respingos do livro, um fio branco aparece no cabelo de Mattieu. Seria essa talvez, a salvação? Deixo a mercê da leitura de vocês descobrir a resposta nessas fantásticas 561 páginas.

John Boyne conseguiu trabalhar com assuntos importantes como o valor das pessoas na nossa vida, como nossas atitudes podem gerar consequências boas ou ruins, como o amor pode ser algo traiçoeiro e como a família é uma parte importante na vida de um ser humano. Cada ponto é discutido de uma maneira muito simples, direta e com palavras concretas.

No fim, todas as histórias e todas as pessoas se fundem em uma só. Tem aqueles que não acreditam no destino e na forma como os caminhos são postos na nossa frente. Não sou uma ladra do tempo que poderia convir com uma afirmação destas, mas sou uma aluna do tempo, uma aluna que teve que repetir de ano algumas vezes para aprender que o relógio existe para ensinar que cada segundo, minuto e hora tem relativa explicação para passar rápido ou devagar, para colocar e tirar algumas pessoas de nossa vida, para nos fazer rir e chorar na hora exata, para explicar situações tristes e carregadas de dificuldades, para provar que tudo tem hora para acontecer, seja o bom ou o ruim, e para nos mostrar que a cima de tudo, somos donos do nosso próprio tempo e quem faz dele a duração perfeita somos apenas nós.

Como já dizia Abu Shakur: "Talvez o tempo te ponha na sua escola, pois não terás melhor professor que ele".

Minha nota: 10

terça-feira, 6 de maio de 2014

"Porque o Senhor descerá do céu com alarido e com voz de arcanjo, munido com a trombeta de Deus. Os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com Ele." - Resenha do livro "Os deixados para trás" - Tom Perrotta

Significado de inquietante: Pessoa ou algo que desperta inquietação. Que inquieta, que causa inquietação.

O que aconteceria, se de repente, sem nenhuma explicação, pessoas simplesmente desaparecessem, sumissem no ar sem deixar nenhum rastro para trás? É o que os perplexos moradores de Mapleton, que perderam muitos vizinhos, amigos e companheiros no evento classificado como Partida Repentina, precisam descobrir.

Iniciei a resenha procurando entender o significado do adjetivo inquietante, porque é desta maneira que julgo a obra de Tom Perrota, uma leitura que levanta diversas polêmicas a respeito do arrebatamento.

Passei horas tentando achar uma forma de concluir um pensamento a respeito da inquietante polêmica deste livro, mas prefiro desenvolver a resenha contando um pouco sobre as reações humanas e rotineiras a um evento catastrófico.

Os personagens que compõe esta história são Kevin Gavery, o prefeito da cidade, que tenta a qualquer custo acelerar o processo de cura das pessoas, trazer um sentimento de esperança renovada e um proposito de vida para uma comunidade traumatizada. Ainda que, sua própria família tenha sido desfeita com o desastre: sua cética e agnóstica esposa deixou sua família para se juntar a um culto cujos membros fazem voto de silencio (Os Remanescentes Culpados). Seu filho, Tom abandonou a faculdade para seguir um profeta duvidoso chamado Santo Wayne, e sua filha adolescente, Jill, não é mais a doce estudante que colecionava notas dez na escola. Em meio a tudo isso, Kevin se vê envolvido com Nora Durst, uma mulher que perdeu toda a sua família no 14 de Outubro e continua em estado de choque com a tragédia.

O livro carrega um contexto centralizado no cotidiano moderno, da sociedade do novo milênio, do século XXI. É antes de mais nada, uma crônica. Porém um crônica repleta de inteligência emocional, e uma escrita habilidosa para enfatizar os problemas inerentes a vida comum.

O Arrebatamento ou a Partida Repentina é apregoado por várias religiões, no qual Deus transportaria fisicamente para o céu os escolhidos, que após os sete anos de tribulações que assolariam os que ficariam no mundo, fariam -nos herdar a terra completamente pacificada e renovada. No livro, são premiados os sujeitos de todos os tipos, credos, raças e condições sociais, para desgosto dos mais fanáticos e ortodoxos da religião, em todo o mundo. Pois, cada religião, alega ser ela a unica a conduzir os eleitos ao Paraíso na Terra. Nesse contexto, Tom Perrota usa Mapleton como um teatro para esmiuçar esse cenário. Até que ponto as pessoas que sofreram o Arrebatamento são de fato merecedoras desse fenômeno, ou até que ponto as que ficaram no mundo, ou melhor, deixadas para trás, são desmerecedoras de serem salvas?

A medida em que nos enfronhamos na leitura e com os personagens, vamos conhecendo um pouco mais da realidade por detrás desse estranho acontecimento, e descobrimos que há muita distinção entre santo e demônio, e que, na maioria das vezes, vemos lobos disfarçados de cordeiros, mas nunca o inverso.

Quem não se lembra do 11 de Setembro, e a imagem de pessoas sem rumo, abatidas, desnorteadas e perplexas? A reação do presidente dos USA, de reerguer a moral da cidade, a busca por respostas, o sonho norte americano sendo desfeito, a dor por aqueles que partiram, o fanatismo levado ao extremo e as consequências religiosas e sociais perante o acontecimento que paralisou o mundo? Os deixados para trás é apenas uma história fantasiosa que remete a mim o mesmo ocorrido em uma outra data com uma outra nomenclatura.

Mas o mais polêmico não é nem de longe o tema arrebatamento, e sim, porque reagimos da forma que reagimos a trágicos acontecimentos. O porque da mente humana funcionar de forma tão complexa a uma ordem desnatural das coisas. Eis que escrevo abaixo um trecho do livro que me fez enxergar a verdadeira percepção de inquietante da obra:

"Você poderia ter me dito aquilo que eu já sei - que na verdade, todas as pessoas ficam estressadas, com raiva, e com desejo de ter um pouco de sossego e paz. Não é a mesma coisa que desejar que as pessoas que a gente ama desapareçam para sempre. Mas e se for? E aí? Devo ficar louca com isso?"

Há uma frase de Augusto Cury que me fez acreditar, que posso finalizar essa resenha com ela: "Para mim, há uma loucura racional aceita pela sociedade, e uma loucura irracional condenada por ela".

O que de fato faz você infeliz? Um acontecimento sem explicação, ou sua própria reação igualitária a ele?

Minha nota: 10 com louvor.


OBS.: O próprio autor está adaptando a obra para uma série na HBO. Valerá a pena acompanhar.