quarta-feira, 17 de outubro de 2018

"Eu estava no único lugar do mundo onde poderia estar." Resenha do livro "Ainda sou eu" - Jojo Moyes

"Ainda sou eu", é uma sequência dos romances "Como eu era antes de você" e "Depois de você", que arrebataram o coração de milhares de fãs pelo mundo afora.

Para quem precisa de um overview das histórias, vale relembrar por aqui que o "Depois de você" termina com Louise Clark aceitando um novo emprego em Nova York, para trabalhar como assistente pessoal da esposa de um multi milionário. E é assim que "Ainda sou eu", começa, com Lou  chegando em Nova York pronta para recomeçar a sua vida, confiante de que pode abraçar novas aventuras e manter seu relacionamento com Sam a distância. 

Lou conhece primeiramente Leonard, e depois sua muito mais jovem esposa Agnes, e uma infinidade de empregados e puxas -sacos. Nossa querida e sempre muito bem humorada protagonista, tenta extrair o máximo dessa experiência, levando a ferro e fogo aquilo que Will Traynor deixa como lição de vida para ela antes de tomar a derradeira decisão de se matar: "Viva bem Louise Clark."

Sem que perceba, Lou está inserida na alta sociedade nova-iorquina, onde sem querer conhece Joshua Ryan, um homem que traz consigo um sopro de seu passado. Extremamente parecido fisicamente com Will, Lou tenta manter unidos os dois lados de seu mundo tão avesso. Fora isso, Agnes divide com Lou um segredo que pode mudar totalmente a vida de todos ao seu redor. 

É neste emaranhado de acontecimentos e confusões que acompanhamos uma  protagonista mais forte e mais madura, pronta para seguir com a sua vida, sem se culpar por um passado que a atormentou por muito e muito tempo até ela conseguir chegar onde chegou. 

É difícil falar desta história sem mencionar Will. O jovem esteve presente apenas no primeiro livro, se tornando a base para as histórias seguintes. Ao chegarmos na terceira etapa desta linda e comovente história, vemos o quanto a presença dele foi um divisor de águas na vida de Lou. Me peguei refletindo ao longo do livro, o quanto a presença de uma pessoa pode ser extremamente marcante em nossas vidas, independente dela estar presente no hoje ou não, ela nos conduz de forma positiva ou negativa por toda a estrada que encontramos pela frente. E com Louise Clark não foi diferente. 

Além da presença constante de Will, nesta etapa de sua vida Louise vai conhecer uma senhorinha bastante rabugenta e teimosa, dona de um cachorrinho igualmente tão rabugento e teimoso. Logo Louise vai se apaixonar por esta senhora, pois ambas tem algo em comum, a fixação por roupas de época. Quem aqui não se lembra das roupas extravagantes que Louise Clark usa desde o primeiro livro? Além desta senhora, Louise também vai conhecer a esposa ativista do porteiro que trabalha no mesmo prédio que ela, uma mulher forte e destemida, que batalha com todas as unhas e dentes para que a biblioteca pública de seu bairro não seja destituída pelo governo. Não preciso nem mencionar que Louise também se apaixona por esta mulher, que carrega consigo um senso de justiça e propósito muito grande. 

Claro que não poderia deixar de lado a excêntrica família de Louise, que também tem alguns capítulos dedicados a eles, com uma revelação por parte da irmã de Louise bastante peculiar e interessante, que vai mudar totalmente a dinâmica desta engraçada família. 

Sem entregar muitos detalhes deste livro, ao finaliza-lo, pude perceber que Louise sempre esteve a procura do auto conhecimento, e depois de um longo caminho tortuoso, nossa querida protagonista encontrou em cada uma das mulheres relatadas neste livro, um pouco dela mesma, e foi assim que finalmente percebendo e enxergando de verdade quem ela é, ela descobriu qual caminho finalmente deveria seguir em busca de sua merecida felicidade. 

Costumo dizer que para encontrarmos o pote de ouro no final do arco-iris, devemos primeiro passar por um imenso furacão, e claro que não poderia ser diferente com a história de Louise, que retrata na verdade aquilo que sempre quebramos tanto a cara para entender: quem nós verdadeiramente somos. 

Quem sou?
De que gosto de verdade?
O que me faz feliz?

Todos nós em algum momento de nossas vidas, nos fizemos estas perguntas. Alguns insistiram na busca destas respostas, outros simplesmente desistiram ou deixaram de lado por um tempo. Mas porque temos tanta dificuldade em nos encontrar? Talvez por confundirmos quem somos com o que temos ou fazemos, ou ainda, porque aceitamos definições de outros a nosso respeito, e verdadeiramente aceitamos o que dizem que somos. 

Se conhecer é uma prática que é infinita e deve ser constante, afinal, nós não somos os mesmos e nunca passamos pelas mesmas situações todos os dias. Tudo que nos acontece de novo serve para nos ensinar uma lição. Por um lado, se esta realidade parece trabalhosa e árdua, os resultados depois são com certeza gratificantes. Para cada qualidade que descobrimos em nós mesmos, vamos melhorando nossa confiança e nossa auto estima, além de sabermos exatamente como agir de acordo com a natureza de cada situação de nossas vidas. E é este o ponto principal do autoconhecimento: descobrir a nossa natureza e saber como agir de acordo com o que o nosso coração sente, e desta forma, encontrar a nossa felicidade. 

Existem milhares de formas de nos encontrarmos com nós mesmos. Algumas pessoas precisam de ajuda médica, ou de um período sabático para pensar na vida, ou até mesmo, como no caso de Louise Clark, experimentar o novo e se desafiar constantemente, para no meio de tantos desencontros, se encontrar através dos outros, e conseguir enxergar em si própria o que sempre esteve ali, mais por algum motivo não deixamos revelar.

Ironicamente penso que Louise Clark, ao finalmente se enxergar, se tornou aquilo que Will Traynor sempre viu nela, e quis arduamente fazer ela também enxergar. Felizmente ou infelizmente, um longo caminho foi preciso ser percorrido para que finalmente Louise pudesse se tornar o que em essência ela sempre foi, e finalmente compreender que o único lugar que ela deveria estar, é o lugar onde ela poderia ser ela mesma. 

Termino ressaltando que se todos buscarmos o auto conhecimento, independente de como, todo o universo vai conspirar para que a felicidade desperte dentro de nós. Talvez se ainda sim não conseguirmos sozinhos, quem sabe tenhamos a mesma sorte que Louise de conhecer alguém que nos mostre o caminho. 

Minha nota: 9,0

terça-feira, 2 de outubro de 2018

“Algumas mulheres não nascem para ser mães. E algumas mulheres não nascem para ser filhas.” Resenha do livro "Objetos Cortantes" - Gillian Flynn

Para quem acompanha minhas resenhas, sabe muito bem que eu sou fã de romances e histórias que arrancam uns bocados de lágrimas, mas poucas pessoas sabem que meu estilo preferido para séries televisivas sempre foram os suspenses, aqueles que te deixam sem entender nada no começo, criam milhões de teorias da conspiração em nossas cabeças, e nos levam a refletir que o mundo é realmente muito, muito doido.

Eis que cheguei ao livro Objetos Cortantes através de uma série da HBO "Sharp Objects", que tem como protagonista e produtora a atriz Amy Adams. Gostei tanto da série, que fui descobrir mais tarde, que a mesma foi baseada no livro de estreia da autora Gillian Flynn, e claro que não pude deixar de correr para ler esta obra para adentrar ainda mais no mundo estranho e intrigante de Camille Preaker, personagem principal deste livro aterrorizante. 

Camille é uma jornalista de um pequeno e pouco lido jornal de Chicago, e logo no primeiro capítulo ela é escolhida para cobrir uma série de assassinatos que começaram a ocorrer em sua cidade natal, Wind Gap. A primeira vista, Camille parece uma jovem mulher atravessando uma seria crise existencial e depressiva. Solitária e insatisfeita com o rumo de sua vida, acompanhamos logo nas primeiras páginas, Camille beber excessivamente copos e mais copos de vodka desde o café da manhã até madrugada adentro. 

Em um olhar ainda mais profundo, descobrimos que seus problemas são muito mais graves que o vicio em álcool. Nossa protagonista tem problemas de autoestima, e se automutila, cortando palavras em sua pele que geralmente simbolizam momentos e/ou coisas das quais ela precisa e quer escapar e esquecer. Palavras como "desconfortável", "nociva" e "sumir" estão marcadas em quase toda a extensão de seu corpo que pode ficar coberta com roupas largas e cumpridas. As únicas partes de seu corpo que não são cortadas, são as partes que ela ainda não conseguiu alcançar e cobrir, como por exemplo o seu rosto e parte de suas costas. 

Camille passou um grande tempo em uma clinica de reabilitação para pessoas que se mutilam, porém a única luz em sua vida parece ser Curry, seu chefe na redação, que serve o tempo todo como uma figura paterna e ombro amigo, além de ter sido como podemos descobrir mais tarde, uma peça importante em seu processo de recuperação. 

Chegando a Wind Gap, oito anos após ter ido embora, conhecemos mais sobre a cidade que Camille tanto odeia. À medida que ela vai fazendo entrevistas para a sua matéria, somos apresentados a seus antigos amigos e vizinhos, em sua maioria pessoas mesquinhas e fofoqueiras, extremamente preocupadas com  aparências, ostentando casamentos fracassados e crianças histéricas e mimadas. Os assassinatos recentes trouxeram uma certa movimentação na pacata cidade, e em um ponto Camille afirma que os moradores parecem querer que o assassino seja alguém de Wind Gap, para ter ainda mais sobre o que falar e fofocar.

A família de Camille é uma das mais ricas da região, donos de um abatedouro de porcos. Em uma mansão vitoriana, moram Adora, Allan e Amma, respectivamente mãe, padrasto e meia irmã de nossa atordoada protagonista. Enquanto Allan serve como uma marionete para os caprichos de sua mulher e filha, o maior destaque é por conta de Adora e Amma, duas personagens bastante conflitantes e interessantes. 

Adora é extremamente controladora, fria, distante e psicótica, e não tem vergonha em deixar explícito o fato de que ela considera que Camille destruiu a sua vida. No passado, ela se apaixonou por um homem que a abandonou ainda grávida, e toda sua frustração e raiva por este fato, foi direcionada para Camille, que cresceu com a dor e a rejeição de sua mãe. Mais tarde, Adora se casa com Allan, e dá a luz a Marian, o grande amor de sua vida, mas a infância da menina foi marcada por doenças inexplicáveis e constantes visitas a hospitais, até finalmente falecer ainda muito criança. O vazio que Marian deixou para trás foi se tornando cada vez mais insuportável, junto do sentimento de culpa que acompanha Camille até os dias atuais. Após conhecer esta parte da história, começamos a entender a origem e a causa de todos os problemas de Camille, e sua relutância em voltar para Wind Gap, mesmo depois de todos os anos longe de casa. 

Já Amma é a princesinha da casa. Com 13 anos de idade, finge ainda brincar com suas bonecas, e deixa sua mãe vesti-la como uma. É rodeada de mimos e cuidados, mas apesar de parecer um anjo perto de seus pais, se torna um verdadeiro demônio no minuto que cruza os portões de sua casa. Usando roupas provocantes, jogos perigosos de sedução, festas regadas a álcool, drogas e sexo, Amma é uma criança problemática, que ao mesmo tempo que quer tentar tomar o lugar da falecida irmã, quer também provar para a sociedade que pode fazer o que bem entender. A relação de Amma e Camille é estranha, visto que as duas não tiveram muita convivência antes de Camille se mudar para Chicago. Com a chegada da meia irmã, Amma resolve mostra-la de forma bastante sádica as rédeas da situação, fazendo jogos psicológicos e humilhando Camille sempre que tem a oportunidade. 

À medida que as investigações prosseguem, Camille se envolve romanticamente com Richard, o galanteador detetive responsável por encontrar o assasino de Wind Gap. Fica bem óbvio que essa é uma situação onde um tenta tirar proveito das informações que o outro possui, mas Camille tem uma necessidade tão grande de agradar as pessoas, que ela acaba metendo os pés pelas mãos. Enquanto seu relacionamento esfria, começa a ficar claro quem é o culpado. Ou será que não? É preciso chegar até o final para saber...

Objetos Cortantes é um livro bastante tenso, apesar de a leitura ser fácil e rápida. Neste livro você vai se deparar com temas como rejeição familiar, automutilação, depressão, e a evidência de como a maldade humana pode carregar diversos formatos. Sentimentos como ciúmes, orgulho e inveja recheiam as páginas, e nos fazem ficar o tempo todo em dúvida do que realmente levou uma pessoa, ou pessoas, a matar duas adolescentes aparentemente normais, que não foram violentadas sexualmente, mas tiveram todos os seus dentes arrancados, e foram de certa forma cuidadas pelo seu assassino, que pinta suas unhas e as arruma antes de mata-las. Intrigante, não?

Falar mais sobre este livro é entregar de bandeja a solução de um crime que carrega um baita plot twist no final. Vale ressaltar, que para quem assistir a série primeiro como eu, vai se surpreender como a adaptação é 98% fiel ao livro. Recomendo que você não apenas leia o livro, mais se permita se aventurar pela série também.

Para deixar você leitor, ainda mais curioso sobre o final, quero deixar agora a minha impressão sobre a mensagem ou os questionamentos que este livro quer passar. 

Primeiro de tudo, vamos definir o que é possessividade. Sentimento autodestrutivo, relacionado ao medo, a desconfiança e a insegurança. A possessividade está intimamente ligada ao ciúme. É necessário fazer a distinção entre o amor e a possessividade, porque enquanto no amor existe confiança, desejo de compartilhar, comodidade e liberdade para cada membro da relação, na possessividade existe egoísmo, aprisionamento e destruição. 

Pessoas possessivas possuem antecedentes que vão desde a solidão à discriminação na infância, formando assim uma imagem ruim de si mesmo, entendendo que nunca serão amados se não forem necessitados por outra pessoa. 

É preciso ressaltar que independentemente da causa ou antecedentes, as pessoas possessivas sofrem ataques de paixão e ira em relação as pessoas, fazendo com que essa junção de emoções negativas sejam dolorosas e simbióticas para todos os envolvidos. 

A possessividade pode se mascarar como uma demonstração de amor e preocupação em excesso, mas quando se converte em uma traço persistente e negativo, acabam surgindo fissuras nos relacionamentos humanos, onde a pessoa possessiva não só quer tomar conta de tudo, como confunde suas ações com amor e dedicação. 

Além da questão da possessividade mascarada de amor, existe o autoconceito, maneira pela qual uma pessoa concebe a si própria, e a autoestima, quantidade de apreço que uma pessoa sente por si mesma. Estes dois fatores em crianças é bastante suscetível ao modo como as inter-relações se estabelecem em sua família. Conforme as percepções desse grupo, quanto mais expostos estão os filhos a críticas negativas, xingamentos, ameaças ou até mesmo o aposto, ao excesso do cuidado transformado em possessividade, mais negativamente tendem a se desenvolver seu autoconceito e sua autoestima. 

Resumidamente, já que não podemos escolher em que família nascemos, o questionamento final que faço após ler Objetos Cortantes é: temos o poder de escolher como vamos amar, nos aceitar e nos conceber?

Se não, devemos ser culpados por nossas ações? 

Se sim, devemos ser culpados por nossas decisões?

"Algumas vezes, minhas cicatrizes pensam sozinhas." Camille Preaker. 

A se pensar...

Minha nota: 9,5

Nota: Deixo abaixo o trailer da série para quem ainda está pensando sobre as perguntas a cima e buscando as respostas:



terça-feira, 11 de setembro de 2018

"A luta pela sobrevivência é uma questão de persistência. Mesmo que pela desistência se entregue a dor e ao sofrimento, a alma anseia pela luta." - Resenha do livro "A Amante do Oficial" - Pam Jenoff

A Amante do Oficial começa a sua história nos apresentando a judia Emma Brau, de apenas 19 anos, e recém casada com o também jovem Jacob durante o período do domínio alemão na Polônia. A vida e a fé de Emma são logo colocados em risco quando Jacob é obrigado a cair na clandestinidade para trabalhar com a resistência, deixando Emma prisioneira do decrépito e abandonado gueto de Cracóvia junto ao seus pais. 

Somos apresentados nas demais páginas a difícil vida dos judeus morando precariamente nos guetos construídos pelos alemães, e já podemos desde este momento sentir a dor, a tristeza e o pesar de dias repletos de escassez de alimentos, saúde e conforto. 

Na calada de uma noite, Emma é misteriosamente resgatada e levada para morar com Krysia, dama da alta sociedade e também a tia católica de Jacob. Ao assumir uma nova identidade como Anna Lipowski, uma gentílica, a vida de Emma passa por uma nova reviravolta ao ser apresentada ao comandante nazista Georg Richwalder, oficial alemão e maior autoridade na cidade.

Durante um jantar oferecido por Krysia, Emma/Anna conhece o comandante Richwalder, um verdadeiro gentleman, e um homem também bastante atraente, que rendido aos encantos da judia, a convida para ser sua secretária no governo de Cracóvia. Com o objetivo de manter o disfarce e ajudar a resistência, Emma/Anna aceita o cargo e passa a espionar os planos secretos da ocupação, colocando em risco a sua vida e também a de todos que ama.

A medida que as atrocidades da guerra se intensificam, a relação entre Emma/Anna e o comandante se torna mais íntima, e um dilema em nossa protagonista se aloja. Ela pensa que se deixar seduzir pelo comandante é uma oportunidade para ajudar ainda mais a resistência, enquanto luta internamente contra a realidade de que ela realmente se sente fortemente atraída por ele, e dá vazão aos seus desejos mais secretos como mulher, se rendendo a encontros cada vez mais apaixonados. Desejo e culpa pairam sobre todos os capítulos, enquanto compartilhamos junto a nossa protagonista sentimentos como perseverança, luta e confiança de que tudo no final dará certo, apesar de tudo aparentemente estar dando errado.

A Amante do Oficial abordou com muita proeza a ocupação da Polônia pelos Nazistas. É duro ler a forma como os alemães perseguem os judeus, e estes aos poucos somem diante dos nossos olhos. Emma é uma personagem forte, que apesar da traição e culpa, não se torna uma vitima, e sim uma grande protagonista. O livro se vende como um romance digno de lágrimas, mas vou descreve-lo como um livro focado na sobrevivência, e principalmente na resiliência.

Resiliência é a capacidade das pessoas de superar a dor e as situações adversas da vida, que em muitos casos são extremas. Traduzindo de maneira clara, a resiliência é a capacidade que um material tem de se deformar por inteiro, quase "morrer", para então conseguir ir voltando ao formato que era antes, se refazendo e se reconstruindo o tempo todo. Este termo passou por muitas adaptações cientificas, e hoje representa a capacidade de um ser humano de sobreviver a um trauma, a resistência de um individuo, não só a resistência física, mas a visão positiva para se reconstruir.

A resiliência é uma companheira que não te dá espaço para lamentar. Está ali, a cada minuto do seu dia, no passar das semanas, ao longo dos anos, nos lembrando constantemente que não há tempo para se perguntar o porquê de certas coisas terem acontecido, mas sim de olhar para a frente, para o resultado final de todas as nossas ações perante as dificuldades e desafios da vida.

Foi ela, é ela, e continuará sendo a resiliência que segurou as mãos de Emma nos momentos mais difíceis, que lhe deu o entendimento necessário para compreender que o importante não é ser forte, mas sim ser flexível. É na resiliência que aprendemos que não importa o quanto conseguimos bater, mas sim o quanto conseguimos apanhar.

É ela que nos faz florir mesmo nos períodos mais secos, que nos cerca de primavera para que esqueçamos as pedras no meio do caminho. Que alivia os dias chuvosos com algumas boas idéias para não esquecer de seguir em frente. Ela que nos dá paciência para suportar os intempéries da vida, riscando do calendário os dias mais desgastantes. Resiliência que nos acompanha mesmo quando não queremos companhia. Um colo na hora da solidão. Um afago nos momentos de pressão. A decisão de ficar mesmo quando você quer apenas fugir.

Para muitos de nós resiliência não é mais uma opção, mas para Emma foi o pilar para sustentar o turbilhão de dúvidas e sentimentos ruins que a circundavam.

Uma de minhas frases preferidas ditas por Emma é: "Precisamos assumir a responsabilidade por nossas ações. É a única maneira de evitar que nos tornemos vítimas, e de manter a nossa dignidade."

A história de Pam Jenoff é bastante conclusiva, não deixando nenhum detalhe em aberto. Sim, caro leitor, você saberá o que acontece com Emma/Anna, mas o mais importante de se saber e  entender após esta dura leitura, é que independente do desafio que nos é colocado em mãos, e por mais sorte ou azar que possamos ter, sempre dependerá apenas de nós tirar o melhor de cada experiência, e esperar que nossas ações e principalmente, nosso instinto para sobreviver ao caos, tragam resultados ainda mais surpreendentes do que os esperados.

"Quem quiser viver será constrangido a matar. Martelo ou bigorna, minha intenção é preparar o povo alemão para ser o martelo." - Adolf Hitler.

"Que esta ocasião solene faça emergir um mundo melhor, com fé e entendimento, dedicado à dignidade do homem e à satisfação de seu desejo de liberdade, tolerância e justiça." Segunda Guerra Mundial - 1939 - 1945.

Minha nota: 9,0

quinta-feira, 12 de abril de 2018

"Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber algum amor em troca." - Resenha do Livro "O menino do vagão" - Pam Jenoff

"Que essa ocasião solene faça emergir um mundo melhor, com fé e entendimento, dedicado à dignidade do homem e à satisfação de seu desejo de liberdade, tolerância e justiça." Segunda Guerra Mundial (1939 -1945). 

O menino do vagão é uma história de ficção que se passa em um dos períodos mais sombrios da humanidade, a Segunda Guerra Mundial. Retratado como pano de fundo, nos deparamos capítulo a capítulo com os medos e horrores de uma guerra onde o mundo conheceu e viveu o que há de pior nos seres humanos. Onde a simples diferença de raças servia como pretexto para fuzilar ou jogar pessoas em uma câmara de gás, pessoas essas que eram "eleitas" inferiores por uma classe que se achava acima de tudo e de todos. 

Apesar de contar com uma sinopse até certo ponto dramática e um pouco romantizada, O menino do vagão mergulha de maneira profunda nos sentimentos, e nos faz refletir e sentir na pele o drama, o medo e o pavor que pessoas inocentes eram submetidas pela escolha dos outros. 

O livro de Pam Jenoff conta a história de duas mulheres, Noa e Astrid. Noa é uma jovem holandesa de apenas dezesseis anos, que depois de engravidar de um soldado alemão, é expulsa de casa pelo pai, sem dinheiro e sem nenhuma pessoa com quem ela possa contar. Perdida em uma estação de trem, Noa conhece uma senhora que lhe dá um "bom" conselho. Nossa protagonista é instruída a doar seu bebê ao Reich, já que é branca, loira e tem uma aparência bem parecida com a raça ariana. Noa então pede ajuda a uma instituição alemã que acolhe mães solteiras, as alimenta e cuida durante suas gestações.  Porém no momento de dar a luz ao seu bebê, Noa entra em pânico ao perceber que seu filho não tem olhos claros e nem cabelos loiros. A criança é arrancada de seus braços e literalmente descartada pelas enfermeiras. Assim, sem dinheiro e nenhuma perspectiva, Noa continua na Alemanha limpando banheiros em uma velha estação de trem.

Mas o destino sempre nos reserva uma segunda chance, e é quando em um determinado dia, Noa escuta um barulho vindo de um vagão, e ao abri-lo se depara com muitos bebês, alguns incrivelmente ainda vivos largados em cima de outros bebês já roxos e mortos pela fome e pelo frio. Levada pelo instinto materno, Noa foge com um dos bebês, e percebe durante sua fuga que ele é circuncidado. Em pânico, Noa começa a correr e desmaia devido ao frio intenso com a criança enrolada em seu casaco. Quando ela acorda, ela está deitada em uma cama em um lugar completamente desconhecido. E é  aqui que ela conhece Astrid. 

Astrid foi criada no mundo circense e é de origem judia. Excelente trapezista, foi casada com o soldado Erich, porém tudo desaba quando a guerra é declarada, e seu marido sendo um soldado de Hitler, é obrigado a se divorciar dela por sua origem judaica. Sozinha e sem amparo, Astrid volta para a casa dos pais, que infelizmente se encontram desaparecidos. Em busca de seus paradeiros, ela bate na porta de um antigo dono de um circo rival de seu pai, e para sua surpresa, ele lhe oferece ajuda a empregando como trapezista de seu circo. 

Acontece que Noa desmaia no perímetro onde está instalado o circo que Astrid trabalha, e a mesma recebe a incumbência de se tornar uma trapezista para ajudar na apresentação de sua nova parceira e professora. A condição é essa, se ela quiser abrigo para ela e para o bebê, que inicialmente ela mente dizendo que é seu irmão. No começo, Astrid não enxerga Noa com bons olhos, mas aos poucos as dificuldades que a guerra vai impondo faz com que as duas criem um forte laço de amizade, e as verdades sobre suas vidas e escolhas são colocadas a prova, como ato de confiança que uma pode ser a fortaleza da outra. 

Pam Jenoff conta uma história incrível, nos apresentando o mundo do circo e suas dificuldades durante a Segunda Guerra Mundial. Mesmo sendo julgados pela sociedade da época, o circo ajudava muitos judeus que tentavam se esconder, como era o caso de Astrid que precisava se refugiar toda vez que soldados alemães vinham fazer suas rondas pelo circo. Também vemos como os animais sofreram com a guerra sem alimentos nem para si próprios e nem para os humanos, que acabavam ou emagrecendo demais, ou morrendo. 

Mas o que mais nos toca são os cenários tristes que nossas protagonistas enfrentam, e mesmo perante tantas dificuldades, sempre havia espaço para o amor. Sim, o amor. Ambas conseguem amar de novo e confiar de novo, e é aqui que mora toda a beleza desta dramática história. Sim, se prepare para ficar boquiabertos em alguns momentos de sua leitura, e derramar algumas boas e pesadas lágrimas. 

O menino do vagão é um livro tenso e dramático, que lembra muito os livros sobre guerra da autora Kristian Hannah. Apesar de se passar em um cenário pesado e triste, a autora nos entrega uma escrita cadenciada, com capítulos que fluem muito naturalmente para conhecermos cada ponto de sua história, tornando quase impossível nos cansarmos deste livro. Durante toda sua narrativa, somos surpreendidos com revelações que vão se completando e aliviando um pouco o ar sombrio da vida de segredos de cada personagem em meio a guerra, fazendo com que o leitor se aproxime cada vez mais de cada um destes incríveis personagens. 

O desfecho desta obra é bastante improvável, e quase não conseguimos estar preparados para os acontecimentos que seguem a etapa final, nos deixando em estado de profunda reflexão. 

Mas sem entregar o final desta bela história, eu gostaria de falar sobre salvação.

Salvar é continuar a acreditar no outro, mesmo sabendo que alguns valores muito estranhos permeiam pelo mundo. Salvar é continuar otimista mesmo sabendo que o futuro que nos espera nem sempre é tão alegre. Salvar é continuar com vontade de viver, mesmo sabendo que a vida é em muitos momentos uma difícil lição de ser aprendida. Salvar é permanecer com vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que com as voltas que o mundo dá, eles vão indo embora das nossas vidas. Salvar é realmente ter a vontade de ajudar as pessoas, mesmo sabendo que muitas delas são incapazes de sentir, entender ou utilizar a sua ajuda. Salvar é manter o equilíbrio, mesmo sabendo que muitas coisas que vemos no mundo nos escurecem os olhos. Salvar é ter garra, mesmo sabendo que a derrota e a perda são ingredientes tão fortes quanto o sucesso e a alegria. Salvar é atender a nossa intuição, que sinaliza sempre o que há de mais autêntico em nós mesmos. Salvar é praticar o sentimento de justiça, manifestar amor por nossa família. Salvar é acima de tudo lembrar que todos nós fazemos parte desta maravilhosa teia chamada vida, e que as grandes mudanças não ocorrem por grandes feitos de alguns, e sim, nas pequenas parcelas cotidianas de nós todos. 

Noa e Astrid nos dão uma bela lição do que significa salvar colocando o que todos nós temos de melhor para oferecer a nós mesmos e aos outros ao nosso redor: o amor.

"Nós, pessoas do circo, não vemos nenhuma diferença entre raças ou religiões."

Minha nota: 10 com louvor. 

Ecos da Segunda Guerra Mundial:

"Meglio vivere un giorno da leoni che cento anni da pecore." (Melhor viver um dia de leão, do que cem anos de cordeiro) - Benito Mussolini

"Vocês se arrependerão por terem sido tão amáveis"  Adolf Hitler, a seus generais, poucos dias antes do fim. 

"Isso não é o fim, não é nem o começo do fim, mas talvez seja o fim do começo." - W. Churchill, após vitória dos aliados na África. 

segunda-feira, 12 de março de 2018

“Às vezes não somos nós que estamos no leme, e não podemos fazer mais do que confiar que tudo vai dar certo" - Resenha do livro "Baía da Esperança" - Jojo Moyes

"A esperança não murcha, ela não cansa, também como ela não sucumbe a crença, vão-se sonhos nas asas da descrença, voltam sonham nas asas da esperança."

É com essa premissa que escrevo sobre a nova obra de Jojo Moyes, Baiá da Esperança, que já inicia em seus primeiros capítulos a apresentação de um lugar mágico nos confins da Austrália, repleta de belezas naturais, e com habitantes cativantes que fazem de Silver Bay um verdadeiro paraíso. 

Conhecemos logo de cara Kathleen, uma senhora que administra um hotel que outrora já conhecera muito luxo e glória. Ela é famosa por ter pescado o maior tubarão de todos os tempos quando era pequena, mas atualmente dedica seus dias a administrar sua hoje precária e pouco procurada pousada. Alguns capítulos depois, conhecemos sua sobrinha Liza, uma mulher séria, fechada e que passou por um grande trauma em sua vida. Liza dedica seus dias a trabalhar em um barco levando turistas para observar baleias e golfinhos, e é a mãe de Hannah, uma garotinha inteligente e perspicaz, que adora o mar, mas que estranhamente não pode se aventurar nele, já que sua mãe não permite tal feito. Todas moram no hotel de Kathleen e vivem do que a baía basicamente oferece. 

Depois de acompanharmos a rotina destas três gerações tão diferentes de mulheres, somos apresentados a Mike, um empreendedor que vive em Londres, e que está prestes a se casar com a filha de seu ambicioso chefe. Mike é enviado a Baía da Esperança para avaliar o local, a fim de construir um grande e imponente resort de luxo no lugar. 

É desta forma que a vida desses quatro personagens se cruzam, quando Mike se hospeda na pousada de Kathleen, e lá conhece vários habitantes da ilha, seus trabalhos e o amor incondicional que sentem por aquele lugar, sua flora e fauna, e claro, suas baleias. 

A narrativa é feita sob o ponto de vista dos personagens principais: Hannah, Kathleen, Liza, Mike e alguns personagens secundários, numa espécie de mosaico de vivências e sentimentos, que vão construindo a história e oferecendo ao leitor uma perspectiva ampla dos fatos. O ponto alto desta obra são os personagens, muito bem construídos individualmente. 

Conforme vamos conhecendo de maneira mais profunda cada um deles, Mike se sente cada vez mais próximo de tudo o que vê, e a razão pela qual ele veio parar naquele lugar, começa e a se tornar cada vez mais secundária. Contudo, os habitantes da ilha descobrem que um resort está prestes a ser construído, colocando em risco a vida das baleias, e principalmente, que Mike está envolvido nisso tudo. 

Capítulo a capítulo vamos percebendo que Mike começa a pensar em tudo que está fazendo e como isso afetará a população e os animais marinhos. Ele acaba se aproximando muito de Liza e sua filha, e Kathleen é a personagem que se torna mais amiga de nosso possível anti herói. Então o dilema está instalado: O que é mais importante? Ganhar uma promoção no trabalho por causa da construção de um super empreendimento, ou defender essa cidadezinha tão pequena mas ao mesmo tempo tão especial?

A ambição é uma caraterística exclusiva do ser humano. Só o ser humano tem o desejo intrínseco de poder. Os animais lutam quando estão em risco de vida, mas os humanos lutam por razões muito menos categóricas. A razão fez o homem perceber que se for mais forte que o outro terá poder sobre ele. E da mesma forma que a "lei da selva" na natureza determina que o mais forte vence sempre, também na subentendida lei da competição, da concorrência ou do desejo permanente de poder, o mais forte vence sempre o mais fraco. A diferença existente entre a lei da selva natural e a "lei da selva humana", é que na primeira existe apenas uma força, bruta e natural, enquanto que na segunda existem forças que nem sempre são claras e objetivas. Entre os animais as regras são claras e definidas de uma forma só mutável pela evolução natural das espécies. Entre os homens as regras são permanentemente mutáveis e muitas vezes obscuramente definidas. As mais diversas estratégias são usadas para conseguir o mesmo objetivo, cada um conforme as suas diversificadas, naturais, adquiridas e artificiais capacidades. 

A inteligência humana, ou apenas a sua esperteza, transformou o homem, retirando-o da natureza e modelando-o de uma forma artificial, em direção por um lado a perfeição sublime, e por outro, a existência trafico - cômica. De fato, o homem não é um animal, ou é um "animal superior", mas quando comparado com todos os outros animais, apresenta diferenças que foram originadas na sua linguagem, devido ao seu cérebro superior, que por um lado são extraordinárias, como a capacidade de criação, de adaptação, de imaginação, de compreensão, mas por outro lado são muito desmotivantes. O homem é o único animal que tem tabus, é o único animal que mata sem necessidade, que engana, que mente, e que infelizmente mascara suas ações.

E a ambição é um dos defeitos do ser humano, por ser a principal causadora de atos de baixo nível, que levam a indecência, a desonra, a desonestidade, a infâmia, a ignorância, a falta de respeito, de caráter e de orgulho, que o diminuem para além dos próprios animais irracionais.

E se é certo que a ambição também contribui para o desenvolvimento humano, considerando que os ambiciosos são os que não tem quaisquer escrúpulos para ultrapassarem qualquer tipo de barreiras, não será menos certo que a vida de muitos seres humanos foi e continua a ser insuportável devido a exagerada ambição de outros.

Será também, desta forma, a ambição, uma prova de que existe uma espécie de dualismo na evolução humana, no sentido de que para existir o bom tem que existir o mal, pressupondo que a evolução humana partiu do animal não no sentido ascendente, mas num sentido alargado, tornando-se por um lado superior, por outro lado inferior ao próprio animal.

Mas nem de total ambição vive o homem. Quando ele percebe que está exagerando ou mesmo errando, vem o sentimento de esperança de que ele pode mudar, pode fazer diferente e melhor. E é este impasse que Mike e os demais personagens vivem capítulo pós capítulo, outrora ambiciosos ou medrosos até demais, nossos queridos personagens começam a perceber que precisam mudar, não só pelos outros ao seu redor, mas por eles mesmos. E então nasce a jornada da esperança, e é nela que foca o livro.

A esperança é o combustível da vida, a forma de mantê-la viva é não prender os olhos nas tragédias, pois a cada desgraça que contemplamos corremos o risco de perdê-lo. Existe na mitologia grega a presença de uma figura interessante: uma ave chamada fênix, que quando morria entrava em autocombustão e passado algum tempo depois, renascia das próprias cinzas. A fênix, o mais belo de todos os animais fabulosos, simboliza a esperança e a continuidade da vida após a morte. Revestida de penas vermelhas e douradas, as cores do sol nascente, possuía uma voz melodiosa que se tornava triste quando a morte se aproximava.

A impressão causada em outros animais por sua beleza e tristeza chegava a lhes provocar a morte. Nossa vida passa por este processo várias vezes em um único dia, ou seja, sair das tragédias para contemplar a beleza que não morreu, a vida que existe ainda, como fazia essa ave mitológica. Alguns historiadores dizem que o que traria a fênix de volta a vida, seria somente o seu desejo de continuar viva.  O desejo de continuar a viver era sua paixão pela beleza, que é a vida.

A medida que perdermos ilusões e incompreensões, temos o espaço real no qual pode crescer a esperança, que nada mais é do que a certeza de que tudo pode ser melhor do que o que já vemos e vivemos.

O homem pode ser resistente as palavras, forte nas argumentações, mas não sobrevive sem esperança.

Ninguém vive se não espera por algo bom, que seja melhor do que o que já acontece, já possui ou já experimentou. É o desejo de caminhar no caminho certo.

Agora resta apenas saber se Kathleen, Liza, Hannah e Mike optaram no final por trilhar este certeiro caminho.

Minha nota: 8.5

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

"São as palavras e as fórmulas, mais do que a razão, que criam a maioria de nossos julgamentos." - Resenha do livro "Em busca de abrigo" - Jojo Moyes

Definitivamente Jojo Moyes está entre minhas autoras favoritas, mas nem eu sabia que Em Busca de Abrigo foi seu primeiro livro publicado. Por já ter lido algumas de suas obras, confesso que é notável como sua escrita e criatividade evoluiu. Embora a história, quanto a construção das personagens tenha me agradado, seria mentira dizer que foi uma leitura frenética, dessas que não conseguimos desgrudar do livro. Na realidade, demorei bastante tempo para concluir a leitura, porque encontrei nela algumas dificuldades, que se deu em certos momentos de forma bastante lenta e monótona. Contudo, os últimos capítulos ganham um novo ritmo de forma que me senti mais envolvida pela história em suas últimas páginas. 

Em seu livro de estreia, conhecemos três mulheres da mesma família e de gerações diferentes. A primeira personagem a nos ser apresentada é Joy nos anos 1953 na noite de coroação da Rainha Elizabeth II. Joy está reunida com a comunidade de expatriados de Hong Kong, em uma festa para celebrar o acontecimento da coroação e acompanhar a cerimônia. Ou pelo menos, tentar.

Joy para inicio de conversa, não queria estar ali. Aos 21 anos, ela não é como as outras mulheres da sua idade, que sonham  em se casar e usar vestidos extravagantes. Joy odeia reuniões de alta sociedade e não suporta o fato de ser tão alta que precisa olhar para baixo ao falar com qualquer pessoa da cidade. Acontece que aparentemente não só Joy parece não estar interessado na cerimônia. E este alguém digamos de passagem, se torna seu futuro marido no dia seguinte. Sim, no dia seguinte. 

Depois de conhecer Joy, somos transportados para mais de 20 anos depois, e conhecemos Kate, uma garota de 18 anos que foge do Condado de Wexford na Irlanda com uma filha. E então, 15 anos mais tarde, conhecemos Sabine, que está a caminho de Wexford para passar um tempo com a avó que nunca conheceu. Entendemos enfim que Sabine é filha de Kate, que é filha de Joy. Conhecemos então a família Ballantyne. 

Capítulo a capítulo acompanhamos três histórias diferentes, que juntas são a história de uma família. O que resta saber é se essas três mulheres que tem seus segredos e personalidades diferentes conseguirão se relacionar como uma família. Coisa que elas nunca fizeram questão de fazer antes. 

Joy que ama mais seus cavalos e seus cachorros de caça do que ela própria, tem uma personalidade bem difícil de lidar, apesar de ser uma mulher extremamente forte e destemida. Kate em contrapartida ama sua filha incondicionalmente, mas parece em um primeiro momento uma mulher muito carente e insegura, que vive pulando de relacionamento em relacionamento, deixando Sabine sempre confusa e sem entender o verdadeiro conceito de família. A adolescente por sua vez, critica constantemente as atitudes de sua mãe e de sua avó, não compreendendo porque uma parece não ter amadurecido, e o porque a outra ser tão rígida, reclusa e fechada em seu universo paralelo. 

Kate vê um abismo enorme e crescente entre ela e Sabine. Às vésperas de fazer uma jornada de volta a Irlanda para ver seus pais e resgatar seu passado, Kate se pergunta como elas chegaram a essa situação, e o que ela pode fazer para mãe e filha se reconectarem. 

Para Joy, ver sua neta é a realização de um sonho. Após uma dolorosa separação de sua filha Kate, ela aguarda ansiosamente a chegada de Sabine. Porém após a chegada da neta, a conexão que ela esperava não acontece, diminuindo desta forma seu grande entusiasmo. 

E quando o impetuoso temperamento de Sabine força Joy a encarar fantasmas do passado, ela percebe que talvez seja a hora de fechar antigas feridas.

O interessante é que conforme vamos tomando conhecimento sobre as histórias destas três mulheres, percebemos que a vida tem uma maneira engraçada de se repetir. Elas na verdade não são tão diferentes assim. Cada uma carrega na verdade um pouco da outra, e o que bastava para se tornarem de verdade uma família era a capacidade de compreenderem seus passados, e o porque muitas vezes usamos artifícios para gritar ao mundo qual realmente é a nossa dor.

O livro não apenas te envolve com estas três personagens, como te faz entender vários pontos de vista da mesma história. Muitas vezes me peguei confusa por não conseguir optar por um lado, já que todos os sentimentos de cada personagem fazem sentido. Mesmo que sejam inadequados algumas horas, são sempre compreensíveis e humanos.

Joy, Kate e Sabine nos mostram que relacionamentos são complexos, e que as pessoas não são simplesmente boas ou más, e que muitas vezes tentam fazer o seu melhor e acabam sendo incompreendidas. Por terem medo, desistem e optam por esconderem seus sentimentos dentro de uma carapuça falsa. E o que basta para esse jogo virar é algo muito simples de se fazer: ouvir e tentar entender atitudes que até então achamos imperdoáveis.

Por mais razões que supostamente se tenha em relação a outras pessoas, por mais que elas estejam em dificuldade ou inseridos em erros, a grande lição é: evite julgar. Ninguém tem informações suficientes para fazer um excelente veredito e colocar-se acima dos fatos e da verdade. Quando se julga alguém, normalmente nos baseamos em nossas réguas, e nem sempre elas estão alinhadas em um nível superior para saber o que é o melhor, o que é o certo e o que é o errado.

Neste comportamento ainda geramos uma energia que não nos é nada positiva. No lugar de julgar, talvez seja mais prudente oferecer uma ajuda ou um apoio. Defeitos são parte integrante das pessoas, o que é defeito aos olhos de um, pode não ser defeito aos olhos do outro. O que é veneno para um, pode ser remédio para outro. Julgar é tirar os olhos de nós mesmos, esquecer daquilo que realmente somos, e também dos erros que inserimos em nossas vidas.

Entre um erro e outro, algumas pessoas se encontram, entre um erro e outro se reconhece aliados, entre um erro e outro ficamos diante de nossa verdade ou de nossa mentira. Assim é o caminho de quem erra, mas pior é o caminho de quem julga, pois se coloca acima de todos esses erros.

O que esta obra quer nos ensinar é que quando perceber que está julgando alguém, tente inverter os polos, transforme este julgamento em disponibilidade de prestar um auxílio dentro de suas possibilidades.

Ao final, ao mesmo tempo em que me emocionei com algumas conclusões e aprovei o modo como as três acharam de se entender, também fiquei com uma sensação de algo ter ficado incompleto. Alguns conflitos foram resolvidos sem que houvesse uma conversa suficiente para isso, ou até mesmo que outros pontos acabaram permanecendo em aberto.

No final, tudo se resume a uma história de três gerações de mulheres frente as verdades fundamentais do amor, dever e o inquebrável elo que une mães e filhas.

Deixo aqui uma frase que para mim resume basicamente do que o livro se trata, e deixo para vocês refletirem, como eu refleti ao terminar a leitura, o que de fato significa família:

"A família é como um barco no mar tempestuoso deste mundo. Quando todos remam juntos, com amor e compreensão, ela sempre chega ao cais da felicidade."

Minha nota: 5,0

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

“Que o destino ache bonito nós dois juntos e o amor goste de ficar entre nós. Ou não” – Resenha do livro “Nós”: David Nicholls

O que aconteceria se um dia você acordasse ao lado de sua esposa, e ela simplesmente te dissesse que não quer mais estar casada com você?

É desta forma que "Nós" de David Nicholls inicia. 

Douglas Peterson, um bioquímico de 54 anos, totalmente apaixonado por sua profissão, por organização e limpeza, é acordado por Connie, sua esposa há 25 anos, quando ela lhe diz que quer o divórcio. O momento não poderia ser pior. Com o objetivo de estimular os talentos artísticos do filho, Albie, que acabou de entrar na faculdade de fotografia, Connie planejou uma viagem de um mês pela Europa, uma chance de conhecerem em família as grandes obras de arte do continente. 

Connie imagina que não seria o caso de desistirem da viagem por conta de sua repentina vontade de não estar mais casada com o seu marido, e Douglas secretamente acredita que estas férias vão reacender o romance dos dois, e quem sabe também fortalecer os laços entre ele e seu filho, que digamos de passagem, não é lá muito bom. 

A esperança é o mote que caminha lado a lado conforme os capítulos vão se desenrolando, em uma história totalmente narrada pelo nosso protagonista Douglas, onde acompanhamos página por página como o romance entre ele e Connie começou, entendendo desde o princípio a complexidade do sentimento amor. 

Douglas e Connie se conheceram em um jantar promovido pela irmã do nosso protagonista, e por ser completamente anti social, Douglas honestamente nem queria estar ali. A princípio quando colocou seus olhos em Connie, ele não achou a moça nem um pouco interessante, mas depois de algumas conversas, eles foram ficando cada vez mais próximos. Logo estavam passando mais e mais tempo juntos, e descobrindo que as diferenças podem sim ser um alavanca para uma bonita história de construção do sentimento mais cobiçado do mundo, o amor. 

O inicio de suas histórias foi um tanto quanto estranha: ela uma artista, popular e liberal, enquanto ele um bioquímico centrado e acuado, somaram estas diferenças para resultar em um casamento precoce, mas cheio de empolgação por parte dos dois, visto que ambos começaram a ter contato com vidas totalmente opostas a que estavam acostumados a ter. 

Nos primeiros anos de um casamento repleto de descobrimentos, Connie e Douglas engravidaram e tiveram uma menina, que não resistiu e morreu logo após o nascimento. É neste momento que acontece a primeira grande crise do casal. Acompanhamos de perto a luz de Connie sendo apagada pela dor de uma perda tão significativa, mas também acompanhamos Douglas sendo a melhor pessoa que ele poderia ser, mesmo sofrendo tão igualmente a sua mulher.

Como sempre após a escuridão, vem o pote de ouro no final do arco íris, e Albie nasce, para que desta forma eles pudessem viver plenamente felizes...Ou não...

Para infelicidade de Douglas, Albie é exatamente como a sua mulher, uma pessoa com espírito livre, visão artística e nem um pouco interessado em números e métodos de organização. Como boa relação familiar, muitos conflitos acontecem entre Albie e seu pai, com Douglas sempre saindo com o papel de vilão no final. 

Todo o livro acontece durante a viagem dos três a Europa, e enquanto acompanhamos o itinerário construído em minucias por Douglas cair por água baixo por constantes brigas entre a família, e a decisão repentina de Albie em continuar a viagem sozinho, deixando Douglas e Connie completamente a deriva.

Seguindo as pistas para descobrir o paradeiro do filho, nosso protagonista cruza Alemanha, Itália e Espanha. Durante esta verdadeira saga, somos levados as lembranças do início do casamento, as conquistas e a solidificação de uma família. Um estrutura de capítulos curtos e textos objetivos, que tem como intenção nos revelar até que ponto a esperança pode nos levar, e que portas ela pode abrir.

Não há nada de muito inédito ou espetacular, mas a visão aguda de David Nicholls para os dramas cotidianos é o que torna o romance especialmente envolvente. "Nós" se revela uma leitura prazerosa, mas totalmente esquecível. Romance de viagem tragicômico, sobre um protagonista em crise de meia idade. O bom humor é um ponto positivo na obra, que traz leveza a um livro que surpreende no final por um desfecho não esperado em romances de prateleira.

Mas a lição que o livro quer nos passar é que o amor é o caminho que nos leva a esperança. E esta não é uma espécie de consolação, enquanto se esperam dias melhores. Nem é sobretudo expectativa do que virá. Esperar não significa projetar-se em um futuro hipotético, mas saber colher o invisível no visível, o inaudível no audível.

Descobrir uma dimensão outra dentro e além desta realidade concreta que nos é dada como presente. Sim, nem tudo que vem em formato negativo, de verdade é ruim. Todos os nossos sentidos são implicados a acolher, com espanto e sobressalto, a promessa que vem, não apenas num tempo indefinido futuro, mas já hoje, a cada momento. A esperança nos mantém vivos. Não nos permite viver macerados pelo desânimo, absorvidos pela desilusão, derrubados pelas forças da negatividade. Compreender que a esperança floresce no instante é experimentar o perfume do novo.

Através do olhar esperançoso de Douglas, entendemos que absolutamente tudo é um presente, por mais que em determinado momento não é possível enxergar desta forma.

Dizem que quando uma porta se fecha, uma janela sempre se abre, e acho que depois de ler este livro, finalmente compreendemos que esta premissa é sim totalmente verdadeira.

Minha nota: 6,5