quarta-feira, 17 de outubro de 2018

"Eu estava no único lugar do mundo onde poderia estar." Resenha do livro "Ainda sou eu" - Jojo Moyes

"Ainda sou eu", é uma sequência dos romances "Como eu era antes de você" e "Depois de você", que arrebataram o coração de milhares de fãs pelo mundo afora.

Para quem precisa de um overview das histórias, vale relembrar por aqui que o "Depois de você" termina com Louise Clark aceitando um novo emprego em Nova York, para trabalhar como assistente pessoal da esposa de um multi milionário. E é assim que "Ainda sou eu", começa, com Lou  chegando em Nova York pronta para recomeçar a sua vida, confiante de que pode abraçar novas aventuras e manter seu relacionamento com Sam a distância. 

Lou conhece primeiramente Leonard, e depois sua muito mais jovem esposa Agnes, e uma infinidade de empregados e puxas -sacos. Nossa querida e sempre muito bem humorada protagonista, tenta extrair o máximo dessa experiência, levando a ferro e fogo aquilo que Will Traynor deixa como lição de vida para ela antes de tomar a derradeira decisão de se matar: "Viva bem Louise Clark."

Sem que perceba, Lou está inserida na alta sociedade nova-iorquina, onde sem querer conhece Joshua Ryan, um homem que traz consigo um sopro de seu passado. Extremamente parecido fisicamente com Will, Lou tenta manter unidos os dois lados de seu mundo tão avesso. Fora isso, Agnes divide com Lou um segredo que pode mudar totalmente a vida de todos ao seu redor. 

É neste emaranhado de acontecimentos e confusões que acompanhamos uma  protagonista mais forte e mais madura, pronta para seguir com a sua vida, sem se culpar por um passado que a atormentou por muito e muito tempo até ela conseguir chegar onde chegou. 

É difícil falar desta história sem mencionar Will. O jovem esteve presente apenas no primeiro livro, se tornando a base para as histórias seguintes. Ao chegarmos na terceira etapa desta linda e comovente história, vemos o quanto a presença dele foi um divisor de águas na vida de Lou. Me peguei refletindo ao longo do livro, o quanto a presença de uma pessoa pode ser extremamente marcante em nossas vidas, independente dela estar presente no hoje ou não, ela nos conduz de forma positiva ou negativa por toda a estrada que encontramos pela frente. E com Louise Clark não foi diferente. 

Além da presença constante de Will, nesta etapa de sua vida Louise vai conhecer uma senhorinha bastante rabugenta e teimosa, dona de um cachorrinho igualmente tão rabugento e teimoso. Logo Louise vai se apaixonar por esta senhora, pois ambas tem algo em comum, a fixação por roupas de época. Quem aqui não se lembra das roupas extravagantes que Louise Clark usa desde o primeiro livro? Além desta senhora, Louise também vai conhecer a esposa ativista do porteiro que trabalha no mesmo prédio que ela, uma mulher forte e destemida, que batalha com todas as unhas e dentes para que a biblioteca pública de seu bairro não seja destituída pelo governo. Não preciso nem mencionar que Louise também se apaixona por esta mulher, que carrega consigo um senso de justiça e propósito muito grande. 

Claro que não poderia deixar de lado a excêntrica família de Louise, que também tem alguns capítulos dedicados a eles, com uma revelação por parte da irmã de Louise bastante peculiar e interessante, que vai mudar totalmente a dinâmica desta engraçada família. 

Sem entregar muitos detalhes deste livro, ao finaliza-lo, pude perceber que Louise sempre esteve a procura do auto conhecimento, e depois de um longo caminho tortuoso, nossa querida protagonista encontrou em cada uma das mulheres relatadas neste livro, um pouco dela mesma, e foi assim que finalmente percebendo e enxergando de verdade quem ela é, ela descobriu qual caminho finalmente deveria seguir em busca de sua merecida felicidade. 

Costumo dizer que para encontrarmos o pote de ouro no final do arco-iris, devemos primeiro passar por um imenso furacão, e claro que não poderia ser diferente com a história de Louise, que retrata na verdade aquilo que sempre quebramos tanto a cara para entender: quem nós verdadeiramente somos. 

Quem sou?
De que gosto de verdade?
O que me faz feliz?

Todos nós em algum momento de nossas vidas, nos fizemos estas perguntas. Alguns insistiram na busca destas respostas, outros simplesmente desistiram ou deixaram de lado por um tempo. Mas porque temos tanta dificuldade em nos encontrar? Talvez por confundirmos quem somos com o que temos ou fazemos, ou ainda, porque aceitamos definições de outros a nosso respeito, e verdadeiramente aceitamos o que dizem que somos. 

Se conhecer é uma prática que é infinita e deve ser constante, afinal, nós não somos os mesmos e nunca passamos pelas mesmas situações todos os dias. Tudo que nos acontece de novo serve para nos ensinar uma lição. Por um lado, se esta realidade parece trabalhosa e árdua, os resultados depois são com certeza gratificantes. Para cada qualidade que descobrimos em nós mesmos, vamos melhorando nossa confiança e nossa auto estima, além de sabermos exatamente como agir de acordo com a natureza de cada situação de nossas vidas. E é este o ponto principal do autoconhecimento: descobrir a nossa natureza e saber como agir de acordo com o que o nosso coração sente, e desta forma, encontrar a nossa felicidade. 

Existem milhares de formas de nos encontrarmos com nós mesmos. Algumas pessoas precisam de ajuda médica, ou de um período sabático para pensar na vida, ou até mesmo, como no caso de Louise Clark, experimentar o novo e se desafiar constantemente, para no meio de tantos desencontros, se encontrar através dos outros, e conseguir enxergar em si própria o que sempre esteve ali, mais por algum motivo não deixamos revelar.

Ironicamente penso que Louise Clark, ao finalmente se enxergar, se tornou aquilo que Will Traynor sempre viu nela, e quis arduamente fazer ela também enxergar. Felizmente ou infelizmente, um longo caminho foi preciso ser percorrido para que finalmente Louise pudesse se tornar o que em essência ela sempre foi, e finalmente compreender que o único lugar que ela deveria estar, é o lugar onde ela poderia ser ela mesma. 

Termino ressaltando que se todos buscarmos o auto conhecimento, independente de como, todo o universo vai conspirar para que a felicidade desperte dentro de nós. Talvez se ainda sim não conseguirmos sozinhos, quem sabe tenhamos a mesma sorte que Louise de conhecer alguém que nos mostre o caminho. 

Minha nota: 9,0

terça-feira, 2 de outubro de 2018

“Algumas mulheres não nascem para ser mães. E algumas mulheres não nascem para ser filhas.” Resenha do livro "Objetos Cortantes" - Gillian Flynn

Para quem acompanha minhas resenhas, sabe muito bem que eu sou fã de romances e histórias que arrancam uns bocados de lágrimas, mas poucas pessoas sabem que meu estilo preferido para séries televisivas sempre foram os suspenses, aqueles que te deixam sem entender nada no começo, criam milhões de teorias da conspiração em nossas cabeças, e nos levam a refletir que o mundo é realmente muito, muito doido.

Eis que cheguei ao livro Objetos Cortantes através de uma série da HBO "Sharp Objects", que tem como protagonista e produtora a atriz Amy Adams. Gostei tanto da série, que fui descobrir mais tarde, que a mesma foi baseada no livro de estreia da autora Gillian Flynn, e claro que não pude deixar de correr para ler esta obra para adentrar ainda mais no mundo estranho e intrigante de Camille Preaker, personagem principal deste livro aterrorizante. 

Camille é uma jornalista de um pequeno e pouco lido jornal de Chicago, e logo no primeiro capítulo ela é escolhida para cobrir uma série de assassinatos que começaram a ocorrer em sua cidade natal, Wind Gap. A primeira vista, Camille parece uma jovem mulher atravessando uma seria crise existencial e depressiva. Solitária e insatisfeita com o rumo de sua vida, acompanhamos logo nas primeiras páginas, Camille beber excessivamente copos e mais copos de vodka desde o café da manhã até madrugada adentro. 

Em um olhar ainda mais profundo, descobrimos que seus problemas são muito mais graves que o vicio em álcool. Nossa protagonista tem problemas de autoestima, e se automutila, cortando palavras em sua pele que geralmente simbolizam momentos e/ou coisas das quais ela precisa e quer escapar e esquecer. Palavras como "desconfortável", "nociva" e "sumir" estão marcadas em quase toda a extensão de seu corpo que pode ficar coberta com roupas largas e cumpridas. As únicas partes de seu corpo que não são cortadas, são as partes que ela ainda não conseguiu alcançar e cobrir, como por exemplo o seu rosto e parte de suas costas. 

Camille passou um grande tempo em uma clinica de reabilitação para pessoas que se mutilam, porém a única luz em sua vida parece ser Curry, seu chefe na redação, que serve o tempo todo como uma figura paterna e ombro amigo, além de ter sido como podemos descobrir mais tarde, uma peça importante em seu processo de recuperação. 

Chegando a Wind Gap, oito anos após ter ido embora, conhecemos mais sobre a cidade que Camille tanto odeia. À medida que ela vai fazendo entrevistas para a sua matéria, somos apresentados a seus antigos amigos e vizinhos, em sua maioria pessoas mesquinhas e fofoqueiras, extremamente preocupadas com  aparências, ostentando casamentos fracassados e crianças histéricas e mimadas. Os assassinatos recentes trouxeram uma certa movimentação na pacata cidade, e em um ponto Camille afirma que os moradores parecem querer que o assassino seja alguém de Wind Gap, para ter ainda mais sobre o que falar e fofocar.

A família de Camille é uma das mais ricas da região, donos de um abatedouro de porcos. Em uma mansão vitoriana, moram Adora, Allan e Amma, respectivamente mãe, padrasto e meia irmã de nossa atordoada protagonista. Enquanto Allan serve como uma marionete para os caprichos de sua mulher e filha, o maior destaque é por conta de Adora e Amma, duas personagens bastante conflitantes e interessantes. 

Adora é extremamente controladora, fria, distante e psicótica, e não tem vergonha em deixar explícito o fato de que ela considera que Camille destruiu a sua vida. No passado, ela se apaixonou por um homem que a abandonou ainda grávida, e toda sua frustração e raiva por este fato, foi direcionada para Camille, que cresceu com a dor e a rejeição de sua mãe. Mais tarde, Adora se casa com Allan, e dá a luz a Marian, o grande amor de sua vida, mas a infância da menina foi marcada por doenças inexplicáveis e constantes visitas a hospitais, até finalmente falecer ainda muito criança. O vazio que Marian deixou para trás foi se tornando cada vez mais insuportável, junto do sentimento de culpa que acompanha Camille até os dias atuais. Após conhecer esta parte da história, começamos a entender a origem e a causa de todos os problemas de Camille, e sua relutância em voltar para Wind Gap, mesmo depois de todos os anos longe de casa. 

Já Amma é a princesinha da casa. Com 13 anos de idade, finge ainda brincar com suas bonecas, e deixa sua mãe vesti-la como uma. É rodeada de mimos e cuidados, mas apesar de parecer um anjo perto de seus pais, se torna um verdadeiro demônio no minuto que cruza os portões de sua casa. Usando roupas provocantes, jogos perigosos de sedução, festas regadas a álcool, drogas e sexo, Amma é uma criança problemática, que ao mesmo tempo que quer tentar tomar o lugar da falecida irmã, quer também provar para a sociedade que pode fazer o que bem entender. A relação de Amma e Camille é estranha, visto que as duas não tiveram muita convivência antes de Camille se mudar para Chicago. Com a chegada da meia irmã, Amma resolve mostra-la de forma bastante sádica as rédeas da situação, fazendo jogos psicológicos e humilhando Camille sempre que tem a oportunidade. 

À medida que as investigações prosseguem, Camille se envolve romanticamente com Richard, o galanteador detetive responsável por encontrar o assasino de Wind Gap. Fica bem óbvio que essa é uma situação onde um tenta tirar proveito das informações que o outro possui, mas Camille tem uma necessidade tão grande de agradar as pessoas, que ela acaba metendo os pés pelas mãos. Enquanto seu relacionamento esfria, começa a ficar claro quem é o culpado. Ou será que não? É preciso chegar até o final para saber...

Objetos Cortantes é um livro bastante tenso, apesar de a leitura ser fácil e rápida. Neste livro você vai se deparar com temas como rejeição familiar, automutilação, depressão, e a evidência de como a maldade humana pode carregar diversos formatos. Sentimentos como ciúmes, orgulho e inveja recheiam as páginas, e nos fazem ficar o tempo todo em dúvida do que realmente levou uma pessoa, ou pessoas, a matar duas adolescentes aparentemente normais, que não foram violentadas sexualmente, mas tiveram todos os seus dentes arrancados, e foram de certa forma cuidadas pelo seu assassino, que pinta suas unhas e as arruma antes de mata-las. Intrigante, não?

Falar mais sobre este livro é entregar de bandeja a solução de um crime que carrega um baita plot twist no final. Vale ressaltar, que para quem assistir a série primeiro como eu, vai se surpreender como a adaptação é 98% fiel ao livro. Recomendo que você não apenas leia o livro, mais se permita se aventurar pela série também.

Para deixar você leitor, ainda mais curioso sobre o final, quero deixar agora a minha impressão sobre a mensagem ou os questionamentos que este livro quer passar. 

Primeiro de tudo, vamos definir o que é possessividade. Sentimento autodestrutivo, relacionado ao medo, a desconfiança e a insegurança. A possessividade está intimamente ligada ao ciúme. É necessário fazer a distinção entre o amor e a possessividade, porque enquanto no amor existe confiança, desejo de compartilhar, comodidade e liberdade para cada membro da relação, na possessividade existe egoísmo, aprisionamento e destruição. 

Pessoas possessivas possuem antecedentes que vão desde a solidão à discriminação na infância, formando assim uma imagem ruim de si mesmo, entendendo que nunca serão amados se não forem necessitados por outra pessoa. 

É preciso ressaltar que independentemente da causa ou antecedentes, as pessoas possessivas sofrem ataques de paixão e ira em relação as pessoas, fazendo com que essa junção de emoções negativas sejam dolorosas e simbióticas para todos os envolvidos. 

A possessividade pode se mascarar como uma demonstração de amor e preocupação em excesso, mas quando se converte em uma traço persistente e negativo, acabam surgindo fissuras nos relacionamentos humanos, onde a pessoa possessiva não só quer tomar conta de tudo, como confunde suas ações com amor e dedicação. 

Além da questão da possessividade mascarada de amor, existe o autoconceito, maneira pela qual uma pessoa concebe a si própria, e a autoestima, quantidade de apreço que uma pessoa sente por si mesma. Estes dois fatores em crianças é bastante suscetível ao modo como as inter-relações se estabelecem em sua família. Conforme as percepções desse grupo, quanto mais expostos estão os filhos a críticas negativas, xingamentos, ameaças ou até mesmo o aposto, ao excesso do cuidado transformado em possessividade, mais negativamente tendem a se desenvolver seu autoconceito e sua autoestima. 

Resumidamente, já que não podemos escolher em que família nascemos, o questionamento final que faço após ler Objetos Cortantes é: temos o poder de escolher como vamos amar, nos aceitar e nos conceber?

Se não, devemos ser culpados por nossas ações? 

Se sim, devemos ser culpados por nossas decisões?

"Algumas vezes, minhas cicatrizes pensam sozinhas." Camille Preaker. 

A se pensar...

Minha nota: 9,5

Nota: Deixo abaixo o trailer da série para quem ainda está pensando sobre as perguntas a cima e buscando as respostas: