terça-feira, 28 de abril de 2015

"Você às vezes não se pergunta…se apenas uma pequena coisa tivesse sido mudada, no passado,….as coisas seriam diferentes?" - Resenha do livro "O fio da vida" - Kate Atkinson

E se você pudesse viver a mesma vida diversas vezes, e a cada uma delas tivesse a chance de fazer diferente ou a diferença? É sobre essa pergunta, e talvez as respostas, que o livro de Kate Atkinson trata.

Ao contrário do que talvez você esteja pensando, O fio da vida, não oferece uma leitura ilustrativa de vidas passadas, tampouco a história fale sobre reencarnação. Particularmente eu apenas vejo possibilidades inerentes a uma mesma vida, talvez realidades paralelas, vividas simultaneamente. Calma, você não precisa entender de física quântica para ler o livro, mas há sim paralelos com esse fenômeno, e o caminho do entendimento ao longo da leitura. A obra  não fala sobre ficção cientifica, mas eu o classificaria com um adjetivo incomum aos conhecedores de leituras classificativas. Eu o colocaria no patamar de leitura "excêntrica provocativa".

O fio da vida mostra a pluralidade que existe dentro de cada um de nós, e como cada uma dessas diferentes personalidades poderiam ser desenvolvidas quando nos colocamos diversas vezes em uma mesma situação. A história gira em torno de Úrsula, e suas diversas vidas, onde seu nascimento acontece sempre no mesmo dia, na mesma hora, dos mesmos pais, dos mesmos irmãos, e na mesma cidade. Diria que a única modificação na vida de Úrsula é a forma como ela morre.

Cada vez que Úrsula morria e renascia, eu refletia sobre a seguinte frase: "A circularidade do universo. O tempo é um constructo, na realidade tudo flui, sem passado ou presente, apenas o agora." Se a reflexão fosse válida, eu preciso pontuar e me certificar que a vida e a morte são tão casuais como qualquer outro evento cotidiano, simplesmente não há garantias mesmo que nosso instinto de sobrevivência grite mais alto. Não existe necessariamente futuro, e muito menos passado. Ambos desaparecem em uma possibilidade perdida. A única fonte que realmente podemos contar ou talvez controlar, é o presente. E é exatamente nessa vertente que nossa protagonista faz algo que muitos de nós mesmos não nos damos conta pelo simples fato de só pensarmos naquilo que nos aconteceu no passado, e naquilo que buscamos para o futuro. Úrsula vive o agora.

Nascida em uma noite de muita neve, Úrsula teve muitas chances. Sua primeira vinda ao mundo, não vingou, Úrsula morreu assim que nasceu. Mas ao longo dos anos, ela foi tendo a chance de driblar a morte e reescrever sua história, mudando pequenos detalhes, que no fim, mudariam absolutamente tudo em torno de sua vida. E conforme o tempo ia passando, e novas chances de reescrever sua história lhe foram dadas, ela ia sentindo uma inquietude dentro de si, como uma espécie de presságio ou dejavú, para que ela pudesse fazer novas escolhas, e assim mudar o curso dos acontecimentos. Como por exemplo quando ela morreu afogada quando criança, ou quando se tornou mãe solteira, ou quando ela foi assassinada a pauladas pelo próprio marido, ou quando morreu enclausurada em um porão fugindo das bombas da Segunda Guerra Mundial, ou quando foi estudar na Alemanha e se tornou a melhor amiga da esposa do Hitler, ou quando matou Hitler com um tiro a queima roupa, ou quando foi estuprada pelo melhor amigo de seu irmão e fez um aborto, ou quando foi voluntária da Guerra tirando escombros de pessoas mortas ao longo das ruas e avenidas bombardeadas pelo caos, ou quando virou uma alcoólatra e teve um caso extraconjugal com um politico de renome. Todos esses fatos discorrem desde seu nascimento em 1910, e ao longo dos anos 1930, 1940 e de volta a 1910.

Sem dúvida Úrsula têm sua vida modificada de várias formas, mas não é só ela que sofre as consequências dessas mudanças. Vale ressaltar que a vida de Teddy (seu irmão mais novo) foi salva diversas vezes pelas escolhas de sua irmã, e que sua mãe Sylvie é salva de seu primeiro suicídio pré concebido pelas escolhas da filha, assim como absolutamente todas as pessoas que viveram ao lado de Úrsula, ou simplesmente passaram momentaneamente por sua vida. Arrisco dizer que até os cursos da história da humanidade se alterarão conforme Úrsula ia modificando suas escolhas. É possível a cada capítulo acompanhar a construção das histórias conforme as mudanças que Úrsula constrói com suas escolhas. Afinal de contas meus caros, o que seria da vida sem a vida em si? E a vida não é composta por escolhas?

Escolher quer dizer preferir, selecionar e optar. Toda nossa vida é feita baseada em escolhas. Por mais indecisos que sejamos, ao abrir os olhos pela manhã, teremos que optar entre permanecer na cama, esquecendo das horas, ou simplesmente levantar e fazer escolhas. A opção continua na primeira refeição da manhã: cereal, frutas, chá, café, pão integral, mel, açúcar ou adoçante. Desejar bom dia ou resmungar qualquer coisa, ou simplesmente ficar calado. São sempre opções, certo? Sair de carro, dar uma caminhada, correr para não perder o ônibus, ou fazer de conta que não tem compromisso nenhum.  Ser gentil no trânsito, cedendo a vez a outro carro em cruzamento complicado, ou fazer de conta que ninguém mais existe no caminho além de você mesmo. Não jogar nada pelas janelas do carro, ou emporcalhar o caminho por onde passa. Tudo é uma questão de escolha. Escolha de como você deseja que seja o seu dia, a sua vida, o seu mundo.  Você pode viver muito bem com todo mundo, ou viver muito mal até consigo mesmo. Você pode se tornar uma pessoa quase indispensável no mundo, pela sua forma de ser, ou decidir por ser alguém que, se faltar, poucos ou talvez ninguém notará.

Mesmo sem ter o conhecimento pleno de que possuía a chance de viver várias vezes a mesma vida, e modificar constantemente suas escolhas, Úrsula optou no final por se permitir uma única escolha: ser feliz com as suas escolhas sem questionar o sentido da vida. Se não, porque chamar O fio da vida, se a vida só têm um sentido: você próprio?

Pense nisso, e escolha o que você deseja para você, mas pense no agora, nesse novo dia que a vida lhe permitiu fazer suas próprias escolhas.

Termino esta resenha com uma das minhas frases preferidas deste livro:

"Nenhuma respiração. O mundo inteiro se resume a isso. Uma respiração. Pequenos pulmões, como asas de libélula sem conseguir inflar na atmosfera desconhecida. Nenhum ar no tubo estrangulado. O zumbido de mil abelhas na minuscula perola enrodilhada de um ouvido."

Dedico esta resenha ao meu recente falecido pai. Que suas escolhas permitam que eu continue fazendo as minhas, até chegar ao momento que fecharei igualmente meus olhos, e farei finalmente a escolha de te reencontrar novamente. Obrigada por me ensinar a escolher neste momento ser feliz.

Minha nota: 10 com louvor.

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