sexta-feira, 16 de outubro de 2015

"Devemos deixar nossos feitos serem nossos embaixadores. Nosso desafio é viver com toda a sinceridade que há em nosso coração, e esperar que aqueles que duvidam enxerguem a verdade." Resenha do livro "A Curiosidade" - Stephen P. Kiernan

O quanto você conhece sobre o sentimento mais comum ao ser humano, a curiosidade? O que faz de nós pessoas curiosas, e o quanto deste ato pode nos levar aos degraus mais inimagináveis da vida?

É sobre isto que fala o livro de Stephen P. Kiernan. O grande ato em se tornar, ou apenas ser curioso. 

A cientista Kate Philo e sua equipe começam o livro em um projeto revolucionário de criogenia, e fazem uma descoberta impressionante em pleno Ártico: o corpo de um homem enterrado no gelo. O ambicioso chefe do projeto, ordena que o homem seja levado para um laboratório em Boston, e seja reanimado, o que pasmem, é realizado com sucesso. A medida que o homem começa a recuperar sua memória, a equipe descobre que ele foi, ou melhor, é Jeremiah Rice, um juiz que viveu plenamente em 1906, até sua queda no Oceano Ártico. 

"Eu gostaria de ser mais do que uma curiosidade. Esta segunda vida me trouxe uma oportunidade, e talvez um imperativo, de servir a um propósito maior." Começo esta resenha, com as próprias palavras do juiz Jeremiah Rice. Qual seria o real propósito de um ser humano se ele tivesse a oportunidade de viver uma segunda vez?

Quando falamos sobre curiosidade, e especificamente sobre esta obra em questão, descobrimos que uma pessoa curiosa pode se tornar um fanático,  um excelente juiz de questões morais, ou até mesmo um apoiador de causa. O livro é narrado por diversos personagens, desmistificando o que a palavra curiosidade realmente pode significar. 

Para começar, conhecemos o chefe do projeto, Erastus Carthage, que enxerga Jeremiah como ele próprio o chama, de Sujeito Um, um objeto pelo qual ele alcançara a plenitude na ciência, e entrará para o hall do prêmio Nobel por ter se tornado o primeiro homem a trazer de volta a vida um ser humano que passou mais de 100 anos coberto de sal e gelo. Ao mesmo tempo, conhecemos os funcionários do projeto, que sem acreditar no que os próprios olhos veem, embarcam em uma jornada de descobrimentos científicos e tecnológicos que vão além de suas capacidades de compreensão. Mas convenhamos, quem não gostaria de participar de um projeto deste porte? Estamos afinal, falando de curiosidade, não é mesmo?

Saindo do laboratório do projeto, nos deparamos com jornalistas cobrindo matérias, perseguindo o ser humano reanimado e olhando para ele como o próximo premio Pulitzer de jornalismo. Acompanhamos também a jornada exaustiva de manifestantes, aqueles que acreditam que o ato de reanimação de Jeremiah é um ato contra Deus. Com que direito um ser humano brinca de dono do mundo, e traz a vida um outro ser humano? Somos apresentados também aos "aproveitadores", que se dizem parentes distantes do juiz reanimado, apenas para ter 15 minutos de fama e tirar uma selfie com o "morto vivo". 

Porém, o personagem mais interessante desta obra, é a doutora cientista Kate Philo, que de alguma maneira, enxerga verdadeiramente Jeremiah Rice. Podem chamar de ciência, milagre ou até mesmo de ato divino, mas o que vale de verdade não é a essência de um ser humano? E daí que este mesmo ser humano viveu congelado por mais de 100 anos? Ele continua sendo um ser humano, e não um objeto curioso. Certo? Agora chegamos a raiz da verdadeira lição deste livro. 

Kate acaba se tornando uma amiga para Jeremiah nesta nova vida que impuseram a ele. Ela mostra a ele que tudo o que ele chamava e conhecia como vida, de certa forma, mudou, e muito. As pessoas usam roupas curtas, se comportam de uma maneira estranha, se isolam em aparelhos tecnológicos que basta você toca-los e eles te mostram o mundo em uma pequena tela, elas pintam seus cabelos de cores vibrantes, falam palavrão, se divorciam, abandonam seus filhos, não ficam tão doentes, os alimentos são expostos em prateleiras dentro de um ambiente que eles chamam de supermercado, as pessoas simplesmente não se cumprimentam na rua, elas comem comidas esquisitas que chamam de junk food, elas dormem poucas horas por dia, moram em cubículos e não cultivam plantas, usam acessórios esquisitos no nariz, os homens não respeitam as mulheres, fazem sexo e não amor. Os livros não saem das prateleiras e acabaram se tornando apenas objetos de decoração, ninguém conhece Shakespeare ou Nietzsche. As músicas são altas e não fazem sentido, mas definitivamente usar tênis é muito mais confortável do que botas. 

O livro se desenrola em dois cenários distintos, acompanhamos toda a saga de Jeremiah Rice em sua adaptação a nova vida, e o nascimento de um sentimento maior entre ele e a doutora Kate Philo, assim como a sociedade em seus diversos papéis aceitando ou criticando a realidade  da reanimação. 

Chega a um determinado momento que eu gostaria de chamar de clímax da obra, onde todos os outros sentimentos que caminham lado a lado com a curiosidade se colocam a prova: ganância, coragem, ambição, compaixão e empatia. Para todo grande ato curioso, existe sempre a grande dúvida: Isto é realmente real? Seria curioso se não duvidássemos de sua existência?

A palavra curiosidade tem sua origem latina, e significa desejo de saber, de desvendar, de ver. Aristóteles dizia que "todo homem tem o desejo de conhecer". Mas ele próprio dúvida do que conhece. Ambíguo ou apenas a realidade? Porque duvidamos tanto do que conhecemos? Seria a verdade aquela que nos é apresentada, ou podemos ir além, sendo para o resto da vida meros curiosos?

Erastus Carthage e seus funcionários iniciaram este projeto pela simples curiosidade em saber se realmente seria possível ir contra a ciência, e trazer de volta a vida uma pessoa encontrada congelada no Oceano Ártico. Os manifestantes foram contra a reanimação pela própria curiosidade que este ato deferia em suas crenças religiosas e éticas. Os aproveitadores queriam chegar perto do Sujeito Um pela curiosidade de um dia poder falar que conheceram o impensável. Jeremiah Rice quis conhecer o mundo pela curiosidade em viver uma nova era, em tocar o intocável, em sentir o impalatável, em aproveitar dias de uma vida imposta, assim como o inverso também aconteceu, ao participar de uma expedição de cientistas e poder descobrir tecnologias inalcançáveis, a curiosidade o levou a cair em pleno Oceano Ártico e ser congelado. Kate Philo se apaixonou pelo homem que ela chamou de homem da sua vida pela curiosidade em sentir o maior sentimento que rege o mundo, o amor. 

A curiosidade é um campo de ida e vinda, ela precisa acontecer para que você aceite um trabalho, para que você faça parte de um projeto, para que você faça uma amizade, para que você viaje pelo mundo, para que você compre um carro ou uma casa, para que você leia um livro, para que você se apaixone, para que você tenha filhos, para que você mude a cor do seu cabelo, para que você consiga sentir todos os sentimentos do mundo. A curiosidade move seus dias, suas horas, seus minutos. Ela basicamente movimenta o mundo. 

E eu posso afirmar que a existência de Jeremiah Rice foi maior do que sua própria existência, afinal de contas, ele foi apenas um juiz, como eu sou publicitária e você é um administrador de empresas. A existência de Jeremiah cumpriu seu proposito maior. Ele movimentou o mundo, deixando uma nítida lição: Sejam curiosos, e os dias, as horas, os minutos, os segundos de sua vida não irão congelar.  Até porque o que se congela, pode se quebrar e continuar movimentando aquilo que chamamos simplesmente de vida. E ela continua meus caros leitores, mesmo depois de descobertas incrivelmente curiosas. 

Deixo para cada um ser curioso o bastante para entender o final desta obra. Sim, este livro não tem um final bem formatado, a grande maestria dele é deixar sua curiosidade te levar para aquilo que seria ou não um fim para os personagens. 

Jeremiah, o objeto da curiosidade é uma mão de via dupla, assim como suas duas vidas me mostraram  que não podemos parar de seguir em frente. O que importa afinal é deixar nossos feitos serem nossos embaixadores e viver com toda a sinceridade que existe dentro de nossos corações, esperando que aqueles que duvidam, enxerguem a verdade. Porque quando somos curiosos, descobrimos a nossa exclusiva verdade. 

Do mar ele veio e para o mar ele retornou. É desta forma que finalizo esta resenha: Nunca deixarei de ser curiosa. 

Minha nota: 9,0


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