quarta-feira, 18 de maio de 2016

"Algumas pessoas esperam a vida inteira por uma relação assim, mas as histórias chegam ao fim. A gente perde as pessoas que ama e tem que encontrar uma maneira de seguir adiante..." - Resenha do livro "Por toda a Eternidade." - Kristin Hannah

Como definir o luto?

Costumo comparar este sentimento a uma época bem remota da minha vida. Desde que tomei consciência sobre o andar e o falar, eu andava para baixo e para cima com um paninho que já não era mais branco fazia muito tempo. Este paninho, eu o auto intitulava de "fraldinha", e eu me lembro que eu só conseguia dormir se ele estivesse enrolado próximo a minha bochecha. Onde eu ia a fraldinha ia junto comigo, ela definitivamente me completava, era a minha melhor amiga. Ela tinha meu cheiro, e se moldava perfeitamente em mim, e eu me sentia totalmente segura quando eu a tinha nas minhas mãos. A fraldinha deixou de fazer parte da minha vida, quando eu completei 5 anos de idade e meus pais fizeram um trato o tanto quanto maduro comigo: "Você já é uma mocinha, e mocinhas não andam penduradas a um pano. Se você largar a fraldinha, o Papai Noel vai te dar de presente um fogãozinho de brinquedo." Ingenuamente, eu aceitei a barganha, e eu nunca mais vi a  minha fraldinha.

Era estranho começar a viver sem a minha companheira. Eu me lembro de demorar para pegar no sono, porque sempre "algo estava faltando". Eu chorei algumas vezes, e mesmo sem ninguém ter me dito o quanto seria difícil, eu aprendi a moldar a minha vida sem a minha melhor amiga. E cá estou eu, com 31 anos de idade e dormindo bem, eu acho. As vezes, talvez eu  me pegue abraçando o meu travesseiro, ele me lembra como era gostoso dormir encostada na minha fraldinha.

É exatamente sobre isso que o livro de Kristin Hannah trata, como lidar com os buracos que são criados dentro de nós por sentirmos falta de algo ou alguém, que de alguma forma nos completava. 

Tully Hart é uma mulher ambiciosa e aparentemente muito segura de si. Criou sozinha um talk show muito popular, e usou de sua trágica história para formar uma das personagens mais amadas e admiradas no show bizz. Ela sempre acreditou que poderia superar qualquer adversidade da vida se conseguisse esconder bem fundo os seus sentimentos de rejeição sofridos desde sua infância.  Até que sua melhor amiga, Kate Ryan, morre devido ao tão temido câncer. Tully se vê escorregando profundamente em um precipício cheio de memórias melancólicas e remédios para dormir.

Dorothy Hart, ou Cloud, como era conhecida nos anos 1970, está no centro do trágico passado de Tully. Ela abandonou sua filha inúmeras e repetidas vezes na infância, sempre drogada e rodeada de homens que a espancavam e abusavam de seu corpo.

Marah Ryan, filha de Kate e afilhada de Tully, têm apenas dezesseis anos quando sua mãe morre. Como qualquer filha ou filho, ela fica devastada com a notícia, e embora seu pai John e seus dois irmãos gêmeos se esforcem para manter a família unida, Marah transforma-se em uma adolescente rebelde e inacessível em sua dor. Aparentemente se cortar com objetos pontiagudos é o melhor remédio que Marah encontra para superar a perda de sua mãe. Tully tenta de qualquer forma se aproximar de Marah, mas a sua grande incapacidade de lidar com os sentimentos da afilhada e os seus próprios, acaba empurrando a menina para um relacionamento infeliz ao lado de um rapaz extremamente problemático.  

O livro é exatamente sobre estas mulheres, e o quanto suas vidas estão intimamente ligadas, e fala sobre a maneira que cada uma delas vão rever seus erros e acertos, e aprender a viver uma vida sem um peça no jogo deste tabuleiro que chamamos de família. Até porque, onde há perdão, há amor, e Por toda a Eternidade, fala sobre o único remédio capaz de curar o luto: o amor. 

Como todo bom romance, a obra culmina em um momento de extremo impasse, onde as soluções se apresentam de forma muito clara e até óbvia, mas a resenha não têm como objetivo entregar o desenrolar e o final da história, e nem como estas personagens encontram uma forma de viver as suas vidas, por isso vou falar sobre o que para mim Por toda a Eternidade significou. 

É difícil de acreditar, mas julgar os outros é algo muito comum, principalmente em um momento delicado, como o luto. Algo que é contraditório quando muitas vezes solicitamos que, por favor, deixem de julgar os nossos atos, pois julgamos e somos julgados constantemente, sem que algo possa evitar que isso aconteça. 

Porém, o dano que o julgamento provoca é algo que merece a nossa reflexão. É preciso olhar o seu interior, olhar a si mesmo e deixar de investir tanto tempo em ver o que o resto das pessoas fazem, como fazem e porque fazem. Já dizia Giacomo Leopardi "A alma sempre tende a julgar os outros segundo o que pensa de si mesma." Será que por isso Tully julgou tanto o atos de sua mãe, para depois repeti-los exatamente da mesma maneira com a sua afilhada? Será que também por isso Marah julgou a sua madrinha para depois cometer os mesmos erros que ela com a sua própria mãe? Estas mulheres não estão ligadas somente por um laço de amor, mas principalmente por um grande laço de falsos julgamentos. Ao longo desta belíssima história, os atos destas mulheres recaem sobre justificativas que nem o próprio leitor imaginaria, pois acreditem, vocês também irão julga-las. Irônico, não?

Quantas vezes você já se sentiu julgado de forma equivocada? Aposto que milhares. Em muitas situações, não praticamos a empatia com outros seres humanos. A nossa visão é a única válida e isto nos impede de ver mais além, e compreender outras perspectivas diferentes. Quando julgamos os outros, não nos permitimos conhecer a sua história completa, o que há por trás daquela pessoa. 

Aprendi em meu próprio luto que quando você julga alguém, você está definindo a si mesmo. Você pode querer dar uma opinião, mas criticas e falsos entendimentos não ajudam. Quando existe um falso julgamento, a sua verdadeira intenção é fazer com que os outros vejam o mundo através de seus olhos. Mas cada pessoa é um mundo. Mundos estes, que muitas vezes não estamos preparados para visita-los. 

Gosto de citar Dalai Lama quando me pego praticando falsos julgamentos: "As pessoas tomam caminhos diferentes na busca pela felicidade e a sua realização. O fato de não caminharem pelo seu mesmo caminho não significa que se tenham perdido."

Assim como Tully, Marah, Doroty e Kate, tudo o que nos acontece muda a nossa forma de ver as coisas. E o luto não seria o luto, se não nos moldasse de formas totalmente diferentes as habituais.

E se eu ainda tivesse a minha fraldinha? E se eu nunca tivesse perdido meu pai? E se eu tivesse mantido amizade com todas as pessoas que conheci ao longo da minha vida? E se eu tivesse feito escolhas diferentes na minha vida?


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