quinta-feira, 14 de julho de 2016

"Toda reforma interior e toda mudança para melhor dependem exclusivamente da aplicação do nosso próprio esforço." Resenha do livro "A Mulher que Roubou a Minha Vida" - Marian Keyes

Já dizia William Shakespeare: "Não, Tempo, não zombarás de minhas mudanças! As pirâmides que novamente construíste não me parecem novas, nem estranhas. Apenas as mesmas com novas vestimentas."

Ao longo de toda a nossa vida, somos confrontados com momentos de mudança que criam quase sempre insegurança e até em alguns casos, o medo. Contudo, esta atitude pode não ser a mais favorável, pois a mudança pode nos levar a experienciar novas e interessantes situações, que de alguma forma, devemos tentar encarar de forma positiva. 

E são com algumas mudanças drásticas e inesperadas, e muitas vezes com uma pitada de ação cármica que a protagonista desta história Stella Sweeney, nos leva a refletir sobre como nós agimos e reagimos perante as incertezas da vida. 

O livro começa com Stella andando de carro em meio ao pesado tráfego de Dublin. Dedicada mãe e esposa, nossa protagonista resolve fazer uma boa ação no meio de um pequeno acidente de carro. O resultado deste ato é um homem um pouco esquisito e metido que lhe pede o número do seu celular para o seguro, plantando uma semente de que algo levará Stella a muitos quilômetros para longe da sua pacata e monótoma rotina. 

Stella é casada com Ryan, uma egocêntrica pessoa que se enxerga como um promissor homem da arte, quando na verdade ele apenas cria design de banheiros de luxo. Juntos, eles têm dois filhos, Betsey, uma doce e adorável menina que vive de forma tão simplista, que para ela, casar com um homem que lhe transforme em uma boneca seria o ideal de uma vida toda. Já Jeffrey, seu filho mais novo, vive tropeçando nas atitudes da mãe, e possui um relacionamento familiar que varia entre preocupação e irritação extrema. Stella, por viver pautada nos sonhos do marido de ser tornar um grande artista renascentista, é apenas uma mulher que trabalha em uma clínica de estética depilando mulheres e homens, e manipulando máquinas de bronzeamento artificial junto de sua sócia, sua irmã mais nova, Karen. 

Como todo bom livro de Marian Keyes, somos surpreendidos quando Stella acorda doente e incapaz de se comunicar. Nossa protagonista possui um doença rara, chamada Síndrome de Guillain - Barré, uma doença auto imune que ocorre quando o sistema imunológico do corpo ataca parte do próprio sistema nervoso por engano. A consequência desta doença é uma inflamação dos nervos que provoca fraqueza muscular e impossibilita o portador desta rara síndrome de se mexer, falar e ter controle sobre sua função neuro vital. 

Stella fica muitos e muitos meses no hospital e só consegue se comunicar por meio de piscadas, uma de cada vez, um método inventado por ser neurologista, Mannix Taylor, um homem um tanto quanto esquisito e metido. Stella consegue no meio de uma situação extremamente complexa e sem controle algum, conversar com Mannix e criar provérbios de auto ajuda, que no final entendemos que ela cria para ela própria como um meio de se sustentar em meio a uma incerteza de que um dia ela voltaria a ter controle sobre o seu próprio corpo. 

Peca quem acha que o livro gira em torno da doença de Stella, pois é a partir dela que se inicia a grande história de nossa protagonista. Depois de uma recuperação árdua, seu neurologista encantado com a força de vontade de Stella, reuni todos os excelentes provérbios descritos através de suas piscadas e publica um livro, que acaba caindo em mãos "erradas". Lembram-se do tal do carma? 

Da noite para o dia nossa protagonista vira uma escritora famosa, que passa seus dias viajando o mundo divulgando o seu best seller. Se já não bastasse não conseguir mais se mexer e falar, Stella passa de uma simples esteticista, depiladora e manipuladora de máquinas de bronzeamento artificial, a uma escritora famosa, que divulga um best seller sobre sua motivação em superar uma rara doença. 

Enfrentar o ódio de seu marido que gostaria de estar no seu lugar, e sua família que não entende as diretrizes que a vida de Stella toma, nossa protagonista se vê obrigada a se mudar da pacata Dublin e passa a morar em Nova York, rodeada por diversas pessoas que lhe dizem o que vestir, como falar, como se comportar, e lhe cobram constantemente um padrão estético que não condiz com a sua realidade. Tirando o fato de ter que viajar para 5 cidades em apenas uma semana, Stella ainda precisa lidar com os problemáticos filhos lhe dizendo que todas as mudanças em sua vida são culpa de sua doença. 

Enquanto acompanhamos estas drásticas mudanças na vida de Stella, e como ela lida com elas, fazendo com que muitas vezes durante a leitura sintamos raiva e decepção pela forma como ela se comporta, também nós pegamos pensando, e nós? Como nós lidaríamos com tantas mudanças? Vamos refletir, por quantas experiências nós seres humanos passamos ao longo da nossa trajetória neste complexo jogo que chamamos de vida?

A rapidez que caracteriza a sociedade atual, dominada pela mudança contínua, cria em nós sentimentos de insegurança, uma vez que somos obrigados a adaptarmo-nos continuamente a novas regras, novos hábitos, novos modos de estar e de trabalhar. Todas estas situações são, normalmente, precedidas de sentimentos antagônicos: receio, mas simultaneamente curiosidade, vontade de não mudar, mas ao menos tempo, vontade de experimentar. 

É esta atitude de abertura face a mudança que deve caracterizar a nossa vida, pois tudo se torna mais fácil, quer quando se trata da mudança de emprego, quer da necessidade de deixarmos a casa ou a localidade onde sempre vivemos, e até de mudarmos de parceiros, porque percebemos que aquele que estamos já não fazem jus a sua denominação. 

Que cada fim leva a um começo, não podemos discutir. Terminar algo nem sempre cabe a nós, porém nos leva a um único caminho: um inicio. Quando a bateria da câmera termina, é hora de carregar para que ela possa estar cheia novamente. Quando um ano acaba, é hora de outro iniciar. Quando você termina um relacionamento, inicia uma fase sem aquele relacionamento presente. Há uma linha tênue entre um fim e um começo. Essa linha é a tal da mudança.  

Passamos por mudanças durante a nossa vida inteira sem ao menos perceber. Sabe quando você olha para trás e percebe o quanto as coisas eram diferentes? E sabe quando você olha para o futuro e percebe o quanto as coisas serão diferentes a partir de hoje?

Como Stella, e assim como nós, chega uma determinada hora que precisamos ser adultos. E ser adulto significa que as coisas já não irão mais se resolver sozinhas, e lamentar deixa de ser uma opção, é preciso aprender a lidar. E lidar não é só encarar a mudança de frente, é aceitar que nossas decisões muitas vezes não são as melhores. Antes da Síndrome, e antes de virar uma famosa escritora de provérbios motivacionais, Stella apenas vivia, e agora ela se adapta. E adaptações são feitas de términos, despedidas e talvez algumas saudades. As mudanças, ou se quiserem chamar de metamorfoses, são ajustes que devemos e fazemos para levar as mudanças da melhor forma possível. O novo sempre continuará a aparecer, e tudo começara de novo e de novo. É como um ciclo de aprendizados que no final se tornam memórias. 

Acompanhar a história de Stella é como acompanhar nossa própria história. Fato é, que quando algo desconhecido nos acontece, todos somos inexperientes. Somos como pequenas crianças aprendendo a caminhar e falar. Começamos de forma lenta, rastejando e totalmente inseguros. Mas sabemos que precisamos tentar, e ninguém caminhará por nós. E quando finalmente podemos seguir em frente, quando tudo parece tranquilo, algo inesperado novamente acontece, e precisamos novamente caminhar por uma árdua estrada, e desta forma eu acredito que é feita a vida, de mudanças constantes externas e internas. 

Eu particularmente tenho me sentindo diferente depois de tantos mudanças em minha trajetória. Talvez seja o tempo que não me sobra mais, a saudade que eu já não sinto, o sentimento que eu já não preciso mais guardar. Talvez tenha sido aquela chuva que não parava de cair, ou o sol que agora insiste em me fazer companhia. Talvez simplesmente, seja eu mesma.

Crescemos mesmo tendo o desejo árduo de continuar a ser uma criança de pés descalços e coração intacto. Mudamos mesmo teimando em continuar parado no mesmo lugar. Mudamos por temer ser a mesma pessoa pelo resto de nossas vidas. A vida nos molda e nós moldamos a nossa vida, e será sempre assim. Mesmo que não consigamos fazer o molde perfeito, mesmo que ele saia meio torto ou com a textura diferente do esperado, a gente se molda. 

A gente se muda. A gente muda. 

Minha nota: 7,5

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