sexta-feira, 30 de setembro de 2016

"Melhor enfrentar a loucura com um plano do que ficar parado e deixar que ela nos alcance aos poucos." - Resenha do livro "Caixa de Pássaros" - Josh Malerman

"Eles vão acabar nos alcançando, disse Don. Não há porque pensar de outra forma. É o fim dos tempos, pessoal. E, se o problema for uma criatura que nossos cérebros não são capazes de entender, merecemos isso. Sempre supus que o fim viria da nossa própria estupidez."

Algo aterrorizante começa timidamente a acontecer em pequenas cidades, e rapidamente toma conta de todo o mundo. Algo que não deve ser visto. Basta uma olhada, e a pessoa é levada a cometer atos de violência mortal. E ninguém sabe o que provoca isso, ou de onde veio tudo isso.

Os cenários que nos deparamos no livro de Josh Malerman são portas sempre trancadas. Cobertores tapam as janelas de todas as casas. A internet não funciona mais, muito menos os telefones e qualquer meio de comunicação. Os sobreviventes não sabem em quem confiar. Não se pode mais sair às ruas sem uma venda nos olhos. Definitivamente há algo do lado de fora. Algo que não pode ser visto, que enlouquece as pessoas e as leva a cometer atos violentos uns contra os outros, seguidos de suicídio. 

Nossa protagonista, Malorie, ao mesmo tempo em que começa a entender as implicações do que está acontecendo no mundo, descobre que está grávida de algumas poucas semanas, e após assistir sua irmã mais nova enlouquecer e se suicidar sem mais nem menos, vê um anúncio no jornal de uma casa muito próxima a sua, que está servindo de abrigo a sobreviventes. 

Malorie resolve se arriscar e ir até o local, e é a partir deste momento que nossa protagonista começa a fazer parte de um grupo liderado por Tom, que acaba por se tornar um grande amigo e aliado, e mais pessoas que não se conheciam antes do fim do mundo, mas se uniram para tentar resistir ao terror oculto, na tentativa de criar certa ordem a partir do caos. 

Rotinas como buscar água potável em um poço de olhos vendados, comer comida enlatada de forma racionada, e viver diariamente presos em uma casa coberta por tabuas e edredons, Malorie e os demais componentes desta história pensam o tempo todo como criar formas de viver e combater o que eles acabam intitulando de "criaturas de outro planeta."

Há momentos de muita agonia durante a leitura, principalmente quando os suprimentos da casa começam a chegar perto da escassez, e os sobreviventes precisam começar a se arriscar do lado de fora da casa, e a confrontar principalmente a questão mais derradeira: em um mundo que  praticamente enlouqueceu, em que se pode confiar? 

Após ter um complicado parto, Malorie cria o Garoto e a Menina, duas crianças que ela prefere não nomear enquanto o mundo vive um verdadeiro apocalipse, e passam a viver abrigados na casa por exatos quatro anos. Logo Malorie aprende a realizar tarefas, e inclusive percorrer distâncias mais longas, sempre às cegas. 

O surgimento de uma misteriosa neblina faz com que ela decida finalmente deixar a casa e embarcar com a família numa arriscada jornada, de olhos vendados, e confiando apenas em sua perspicácia e no ouvido altamente treinado dos filhos. 

Assumo que este é um livro difícil de resenhar, pois qualquer detalhe pode diminuir as surpresas que garanto que os leitores vão encontrar. Apesar de Caixa de Pássaros não ser um thriller perfeito, é um livro fácil de ler. O enredo possui destalhes inconsistentes, acabam sendo mal formulados e pouco convincentes, porém a ideia do mundo pós apocalíptico, onde o sentido da visão pode ser o gatilho para a loucura e morte, me deixou intrigada para chegar ao final.

Pessoas enlouquecendo, matando e se suicidando porque viram algo, é por si só perturbador. Não tenha esperanças de descobrir o que causa tal efeito nas pessoas, pois já adianto que o final pode ser um pouco decepcionante, mas o que chama a atenção nesta obra, é que o leitor é colocado em uma posição onde se sente exatamente como os personagens: vendado. Como lutar contra uma força, criatura ou entidade que você não sabe o que é, nem de onde veio, e não pode abrir os olhos para enfrenta-la? Seriam seres alienígenas, alguma entidade maligna, uma força além de nossa compreensão, ou apenas um caso de histeria coletiva? Especular a causa do caos é inevitável e prepare-se para formular mil teorias do inicio ao fim. 

Falando sobre histeria coletiva, entende-se tal nomenclatura como um distúrbio psicológico em que um grupo de pessoas passa a ter, ao mesmo tempo, um comportamento estranho ou adoecer sem uma causa aparente. Os surtos de histeria coletiva, também conhecida culturalmente como doença psicogênica de massa, são mais frequentes em grupos fechados, como alunos de uma mesma escola ou trabalhadores de uma empresa, embora também acometa uma população em geral. A doença faz com que todos fiquem mais ansiosos e percam o controle sobre atos e emoções, além de turbinar os sentidos, como tato, olfato, paladar e pasmem: visão. 

Independente se o mundo está mesmo acabando, e criaturas malignas estão nos assombrando para acabar com a raça humana, o interessante do livro são os próprios humanos, e como estes seres tão providos de inteligencia sobrevivem e encaram o caos. Ou deveríamos mesmo chamar tudo isso de caos, e não simplesmente como dito acima, um caso de histeria coletiva?

Observando o mundo atual, e o livro retrata o mesmo período que vivemos atualmente, é quase impossível não ter a sensação de que vivemos realmente no caos. No entanto, o que poucos parecem perceber é o que exterior é simplesmente o reflexo, a expressão do estado interior do ser humano. 

Infelizmente, a maioria dos seres humanos se debate tentando administrar o caos, sem conseguir enxergar esta simples verdade. A sociedade alimenta esta inconsciência, pois ela é bastante conveniente para a sua sobrevivência. 

Paradoxalmente, os assim chamados despertos são considerados insanos pelos poderes constituídos. Mas ao contrário disso, são um farol na escuridão, uma fonte de água limpa e cristalina, que pode matar a sede daqueles que buscam a verdade. 

Surge um momento em que a total incapacidade de se lidar com o caos, nos seus mais simples ou complexo aspecto, faz com que a angustia e a infelicidade atinjam um grau insuportável. Podem ocorrer, então, duas possibilidades: o mergulho total na insanidade ou um despertar interior, que nos mobiliza a ir em busca de respostas. 

Malorie decide olhar para dentro de si, enfrentar porões escuros de sua própria interioridade, e esta atitude acaba sendo a única saída para a libertação do caos em que está inserida. 

Ali encontramos a escuridão, mas também a luz, que durante muito tempo julgamos não existir. Não há saída possível sem esta disposição. A fronteira entre o caos e a harmonia, é uma linha tênue que só pode ser cruzada por aqueles que se dispuserem a realizar a caminhada com coragem, determinação, e acima de tudo, confiança. Confiança em acreditar em si próprio, e não na efetividade do caos. 

Caixa de Pássaros é um livro intrigante e tenso. Um ótima pedida para quem se questiona sobre os motivos que levam seres inteligentes a acreditarem em mistérios impossíveis de se desvendar.

Definitivamente é melhor enfrentar a loucura e o caos, do que ficar parado e esperar que ela nos alcance aos poucos. Seja lá o que "ela" possa significar. 

Minha nota: 8,0

Um comentário:

  1. Muito bom o mistério e como você desenvolve o enredo.
    Ta ai um livro adaptado a filme que eu gostaria de ver.

    Curti amor.

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