terça-feira, 12 de dezembro de 2017

“Que o destino ache bonito nós dois juntos e o amor goste de ficar entre nós. Ou não” – Resenha do livro “Nós”: David Nicholls

O que aconteceria se um dia você acordasse ao lado de sua esposa, e ela simplesmente te dissesse que não quer mais estar casada com você?

É desta forma que "Nós" de David Nicholls inicia. 

Douglas Peterson, um bioquímico de 54 anos, totalmente apaixonado por sua profissão, por organização e limpeza, é acordado por Connie, sua esposa há 25 anos, quando ela lhe diz que quer o divórcio. O momento não poderia ser pior. Com o objetivo de estimular os talentos artísticos do filho, Albie, que acabou de entrar na faculdade de fotografia, Connie planejou uma viagem de um mês pela Europa, uma chance de conhecerem em família as grandes obras de arte do continente. 

Connie imagina que não seria o caso de desistirem da viagem por conta de sua repentina vontade de não estar mais casada com o seu marido, e Douglas secretamente acredita que estas férias vão reacender o romance dos dois, e quem sabe também fortalecer os laços entre ele e seu filho, que digamos de passagem, não é lá muito bom. 

A esperança é o mote que caminha lado a lado conforme os capítulos vão se desenrolando, em uma história totalmente narrada pelo nosso protagonista Douglas, onde acompanhamos página por página como o romance entre ele e Connie começou, entendendo desde o princípio a complexidade do sentimento amor. 

Douglas e Connie se conheceram em um jantar promovido pela irmã do nosso protagonista, e por ser completamente anti social, Douglas honestamente nem queria estar ali. A princípio quando colocou seus olhos em Connie, ele não achou a moça nem um pouco interessante, mas depois de algumas conversas, eles foram ficando cada vez mais próximos. Logo estavam passando mais e mais tempo juntos, e descobrindo que as diferenças podem sim ser um alavanca para uma bonita história de construção do sentimento mais cobiçado do mundo, o amor. 

O inicio de suas histórias foi um tanto quanto estranha: ela uma artista, popular e liberal, enquanto ele um bioquímico centrado e acuado, somaram estas diferenças para resultar em um casamento precoce, mas cheio de empolgação por parte dos dois, visto que ambos começaram a ter contato com vidas totalmente opostas a que estavam acostumados a ter. 

Nos primeiros anos de um casamento repleto de descobrimentos, Connie e Douglas engravidaram e tiveram uma menina, que não resistiu e morreu logo após o nascimento. É neste momento que acontece a primeira grande crise do casal. Acompanhamos de perto a luz de Connie sendo apagada pela dor de uma perda tão significativa, mas também acompanhamos Douglas sendo a melhor pessoa que ele poderia ser, mesmo sofrendo tão igualmente a sua mulher.

Como sempre após a escuridão, vem o pote de ouro no final do arco íris, e Albie nasce, para que desta forma eles pudessem viver plenamente felizes...Ou não...

Para infelicidade de Douglas, Albie é exatamente como a sua mulher, uma pessoa com espírito livre, visão artística e nem um pouco interessado em números e métodos de organização. Como boa relação familiar, muitos conflitos acontecem entre Albie e seu pai, com Douglas sempre saindo com o papel de vilão no final. 

Todo o livro acontece durante a viagem dos três a Europa, e enquanto acompanhamos o itinerário construído em minucias por Douglas cair por água baixo por constantes brigas entre a família, e a decisão repentina de Albie em continuar a viagem sozinho, deixando Douglas e Connie completamente a deriva.

Seguindo as pistas para descobrir o paradeiro do filho, nosso protagonista cruza Alemanha, Itália e Espanha. Durante esta verdadeira saga, somos levados as lembranças do início do casamento, as conquistas e a solidificação de uma família. Um estrutura de capítulos curtos e textos objetivos, que tem como intenção nos revelar até que ponto a esperança pode nos levar, e que portas ela pode abrir.

Não há nada de muito inédito ou espetacular, mas a visão aguda de David Nicholls para os dramas cotidianos é o que torna o romance especialmente envolvente. "Nós" se revela uma leitura prazerosa, mas totalmente esquecível. Romance de viagem tragicômico, sobre um protagonista em crise de meia idade. O bom humor é um ponto positivo na obra, que traz leveza a um livro que surpreende no final por um desfecho não esperado em romances de prateleira.

Mas a lição que o livro quer nos passar é que o amor é o caminho que nos leva a esperança. E esta não é uma espécie de consolação, enquanto se esperam dias melhores. Nem é sobretudo expectativa do que virá. Esperar não significa projetar-se em um futuro hipotético, mas saber colher o invisível no visível, o inaudível no audível.

Descobrir uma dimensão outra dentro e além desta realidade concreta que nos é dada como presente. Sim, nem tudo que vem em formato negativo, de verdade é ruim. Todos os nossos sentidos são implicados a acolher, com espanto e sobressalto, a promessa que vem, não apenas num tempo indefinido futuro, mas já hoje, a cada momento. A esperança nos mantém vivos. Não nos permite viver macerados pelo desânimo, absorvidos pela desilusão, derrubados pelas forças da negatividade. Compreender que a esperança floresce no instante é experimentar o perfume do novo.

Através do olhar esperançoso de Douglas, entendemos que absolutamente tudo é um presente, por mais que em determinado momento não é possível enxergar desta forma.

Dizem que quando uma porta se fecha, uma janela sempre se abre, e acho que depois de ler este livro, finalmente compreendemos que esta premissa é sim totalmente verdadeira.

Minha nota: 6,5

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