quarta-feira, 13 de novembro de 2013

"Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida, já é a própria vida" - Resenha do livro "A Insustentável Leveza Do Ser" - Milan Kundera


Ler um clássico possui um insustentável peso para o leitor. Abri o livro de Milan Kundera com algumas expectativas do que ouvi falar aqui e ali, e me vi grifando frases, fazendo anotações, como se  fosse encarar uma prova de difícil acesso. E não deixa de ser exatamente isso, pois escrever uma resenha desta obra tão polêmica, não é uma tarefa muito fácil. Mas prometo que farei o meu possível para que vocês sintam o que até agora está confuso em milhões de reflexões dentro de mim.

A insustentável leveza do ser (1984) tem o formato de um romance que é desenvolvido através de enredos erótico-amorosos de quatro personagens com personalidades bem distintas. Somado a isto, acompanhamos uma época histórica de extrema opressão em Praga na época de 1968 (o comunismo).

Porém, aqui quero destacar que o romance e os cenários de guerras, são apenas panos de fundo da história. O que Kundera tem como objetivo para esta obra é discutir a relação peso/leveza existente na nossa vida, na dualidade de cada ser.

Vamos falar dos personagens: Tomas é um médico que vive a vida levado por uma leveza extremada. Ele é apaixonado pela busca do prazer, e sai com milhares de mulheres para descobrir em cada uma delas pequenos detalhes que as fazem serem "únicas". Ele não se considera mulherengo, apenas um pesquisador de excentricidades humanas. Devido a um acaso, que é narrado minuciosamente diversas vezes na obra, ele se casa com Tereza, uma mulher simples do interior, que foi a única capaz de despertar em Tomas algum tipo de sentimento. Tereza não consegue ser leve como o marido, ao contrário, ela é muita fraca e sensível, e mesmo sabendo das traições de Tomas, não consegue deixa-lo, pois sua vida se resume a fiel dedicação do ser que ela idolatra como o motivo de sua in(felicidade). O outro casal que compõe a obra é formado por Sabina e Franz, que se misturam nos traços de personalidade de Tomas e Tereza. A leveza de Tomas se repete em Sabina e certas fraquezas de Tereza se repetem em Franz. Além deles, há Karenin, uma cadela que acompanha o casal Tomas e Tereza, e possui um capitulo inteiro dedicado a si. Karenin desmistifica sua história e demonstra o verdadeiro exemplo de leveza/pureza que possa existir.

Agora vamos falar do que realmente o livro se trata: através das histórias dos personagens, a obra nos mostra, como na vida, que tudo aquilo que escolhemos e apreciamos pela leveza acaba revelando um peso insustentável.

Alguém aqui já ouviu falar de memória poética? Existe uma zona em nosso cérebro onde registramos tudo que nos encanta, o que nos comove e o que dá beleza e sentido em nossa vida. Segundo Milan Kundera, o amor começa no momento em que uma pessoa se inscreve com uma palavra em nossa memória poética. Por conta de nossas escolhas ou apenas um acaso que nos leva a tomar determinadas decisões, pensamos que aquilo que nosso cérebro trabalha como forma de poesia, se torna mais cedo ou mais tarde um peso de difícil sustentação. A dualidade mora exatamente ai, dá pra se ser feliz e leve o tempo todo sem certa carga de peso?

Segundo o livro, não. Os opostos andam juntos o tempo todo e o equilíbrio só pode existir se ambos coexistirem lado a lado.

Talvez apenas a vivacidade e a mobilidade da inteligência escapam a condenação do pesado/leve, mas é preciso experimentar, cada um a sua maneira, o peso insustentável que baliza a vida, o constante exercício de reconhecer a opressão e tentar ameniza-la de alguma maneira. Pois querendo ou não, a opressão vai sempre existir.

A velha história de "cada ação, possui uma reação". Tomas se sentia leve sem Tereza, porém quando ela apareceu, a mesma lhe despertou paixão e Tomas não conseguia imaginar sua vida sem ser ao lado da mulher amada, mas esse amor trouxe consigo uma carga de responsabilidade sobre outro ser, uma dedicação que antes não era necessária no seu dia a dia. Sabina se sentia atraída pela aventura e experimentação de novas sensações, mas quando conheceu Franz percebeu que a sensação de segurança falava mais forte, mas não se pode ter tudo na vida, não é mesmo? Tereza queria ser leve, dormir com outros homens como seu marido fazia com outras mulheres, mas carregar a leveza do ato junto com a culpa do mesmo tornava tudo mais pesado. Franz defendia os fracos e oprimidos, mas não conseguia canalizar essa ação dentro de si próprio, e se relacionar com Sabina lhe fazia carregar um peso daquilo que deveria lhe deixar leve.  Já Karenin, por ser um ser puro que se felicita com apenas atos rotineiros, o pesado e o leve acabam se tornando uma coisa só.

Quanta dicotomia, não é mesmo?

Mas vamos nos auto analisar, pois acredito que este livro é nada mais nada menos, que um verdadeiro divã nas analises de nossas escolhas.

O peso/medida de sua felicidade está sendo ditado pela sabedoria de que qualquer que seja o caminho que você escolha, o leve e o pesado sempre andará lado a lado?

A busca incansável pelo leve, nada mais é do que a lei do eterno retorno, aonde um dia tudo vai se repetir tal como foi vivido e que essa repetição ainda vai se repetir indefinidamente. Até porque, por mais que as escolhas mudem, sempre viveremos a mesma situação em cenários opostos (a insustentável leveza de ser e viver).

Quem dera a vida fosse uma peça de teatro, onde antes pudéssemos ensaiar nossas escolhas. Mas a verdade, é que quando ensaiamos pela primeira vez, já estamos vivendo. Dicotomia novamente...

Em 1988, o diretor Philip Kaufman dirigiu a adaptação do livro em filme, que leva o mesmo nome. Vale a pena para ver retratado em imagens aquilo que viajamos em palavras. Mas sem dúvida, mesmo com três horas de filme, o mesmo não supera o livro e todas as reflexões que este se propoe a oferecer.

 Deixo aqui, a frase que mais me marcou no livro e o trailer do filme.

“O seu drama não era o drama do peso, mas o da leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser."


Faça sua reflexão neste momento: Qual tipo de opressão você luta contra, e qual o tipo de peso/leveza você carrega consigo?

Eu já sei minha resposta...

Minha nota: 10 com louvor


2 comentários:

  1. Sensacional!!!

    Quero muito ler esse livro;

    Gostei demais quando fala que o eterno retorno está ligado a busca da leveza;

    Desculpe o texto, tive vontade de escrever;

    A Leveza da dor, equiIibri0?

    A Dor é sensação Fugaz
    Primordial
    Sem dor não há Alegria
    0s parâmetros
    Se Fundem na consciência

    A felicidade é 0 estado de desconforto
    É a intuição
    Equacionando direções
    já que sentido inatos de vida não temos,por que não nos permitimos a inventar?

    Criamos sentido para contexto
    Em que nos permitimos
    Ser:
    Fugaz, longínquo, pleno

    Equilíbrio é capacidade de poder sentir
    De enlaçar a dor com humor
    Sem constranger com o externo

    ou então poderíamos optar
    Por sofrimento
    Que também é prazeroso

    A Leveza e o peso estão intrínsecos a bile;

    0u mastigamos e digerimos
    0u Digerimos para mastigar

    0 amargo, doce, salgado ou azedo são sensações
    Produto que tangem margens onde está o novo,
    A felicidade, equilíbrio;

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  2. Olá Rodrigo! Que bom que gostou da resenha. Este livro realmente nos faz querer escrever ou refletir sobre muitas coisas. Vale a pena! E eu adorei o que vc escreveu. Arrasou! Se um dia vir a ler este livro, deixe aqui sua reflexão a respeito.
    Aguarde que está vindo mais coisas boas por aí! Obrigada e grande abraço!

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